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Eu sou aquilo que a mistura dos sentidos pode traduzir. Meus ouvidos já ouviram aquilo que eu quis ouvir. Irritantemente, não me obedeceram quando os quis surdos. Os olhos tentam discernir a verdade do erro, mas, na maioria das vezes vêem o que querem. Isso é bom, pois, é deles que caem as lágrimas quando olho para as coisas que ocorreram e ocorrem comigo. Sim, isso é muito bom!!! Não tenho chorado tanto quanto antes e das vezes que o faço entendo que tal fenômeno serve para umidificar minha conjuntiva. Meu olfato não é tão apurado quanto o de Frank Slade. Isso me frustra profundamente, afinal, conseguir a autonomia de “ver” o perfume de mulher ignorando os olhos é para poucos. Em certas horas ver é muito ruim. Tenho visto muitas coisas. Rogo apenas que o que vejo não seja motivo de pejo. Minha boca fala muito. Por vezes não consigo parar. Sinto necessidade de compartilhar as coisas que acontecem comigo, mas, quando olho para os lados, mesmo estando todos ali, não existe ouvido que me ouça. Chegar a trinta anos idade sozinho me mostrou que ainda existe forma de mudar. Hoje em dia prefiro ouvir. E quando falo o meu silêncio grita aos ouvidos. O discurso é pesado e muitas vezes triste. O sorriso fácil aos poucos tem aparecido em lábios que já pronunciaram fé, impropérios e palavras de amor. Por isso, busco no espaço em que choro a risada em que me faz querer sempre mais. Aliás, por falar em amor, isso é algo estranho. Sempre presente nos lábios desavisados, por isso banalizado e não compreendido. Eu te pergunto, utilizo meus olhos neste momento, não ousaria utilizar os lábios: “Você sabe o que é amar alguém?”. Não responda. Meus ouvidos são imbecis que teimam em ouvir. Eu mesmo, não quero. A distância de quem amo me impede de fazer o que mais gosto: os ter ao alcance das mãos. E como isso dói. Vivo cercado de estranhos que recebem minhas mãos, mesmo que não as queira ofertar. Os que amo estão fartos de minha ausência e cheios de minhas palavras. Queria um abraço de tais pessoas, um beijo e um afago. Na verdade queria pelo menos um colo. Esta distância me maltrata. Mas também me revela ser forte. E mais incandescente sou quando mais perto de um beijo. Não sei quanto tempo vivi sem amor. Acho que bastante tempo. E é estranho sentir sua presença de tantas formas. Um dégradé de cores que vai do amor fraterno ao desejo mais forte de um homem em relação a uma mulher. Tal o ator em cena quiseram que fosse outro. Hoje sei quem sou. Sou esta mistura de coisas que me faz existir. Eu sou isso mesmo. Aquilo que você ama. Aquele que você odeia. O que sinto não importa. E no fundo, eu sempre quis ser isso mesmo.