OUTROS CARNAVAIS

A juventude engrossa o asfalto, inaugura meu lapso de carro alegórico ou de maizena. Liberto-me da cidade, quando tiro o pé entre barracas e ambulantes até romper, num hit de trio elétrico, o cordão de isolamento. Eis o sambódromo da Avenida João Ferreira. Eu água-branquense do tamanho do que há entre o antes e o depois.

De novo carnavalizado. O meu lugar se renova a cada passista, caso pouse despercebido de nós. Semelhante a um segredo consumado no seu abandono, vamos seguindo nada audíveis – em uníssono. Mas os companheiros somem, se durmo num sono que não vem? Há tantos adereços a valer a pena amar nem bom, nem ruim. Simplesmente dizer: ”Carnaval, eu te amo!” Não é amor de verdade nem de mentira. É amor. E de tal maneira tramado que a fantasia deixada no chão não é mais que a fantasia do chão. De resto, não há ausência. Há foliões ausentes, porque é preciso ir pegar mais cerveja.

Água Branca avança na comissão de frente já sem escola, mas com uma certa Marechal Castelo Branco, sempre quando me fragmento nas novas gerações. O cerrar dos olhos me atinge: estou de Piratas ou de Anjos negros numa tarde arrecadada de vida anterior ao fevereiro. Sim, a cidade natal avança neste peito cheio de Januárias e de Carolinas. Agora sou orgulhoso e a saudade de mim é o samba-enredo.

Logo mais, eu instantâneo sem a estranha beleza que comprime, sem o nodoso espetáculo de cores da extinta Avenida Neco Teixeira na fria mudança da iminência. Eis o percurso do bloco durando minha própria existência, quando, orgânico, sigo o esquecimento. Quem sabe outra Avenida numa embriaguez a invocar o novo endereço, sempre menor do que a sobra de mim. O que não me restará quem sabe tomará a vez, repetirá quem se espantou e esqueceu. Talvez, afinal, o samba na impessoalidade.

E tudo assume uma alegoria. Uma latinha demitida no asfalto escoa uma história de paixão toda durante o carnaval. Mas o menino recolhendo as latinhas também possui seu abre-alas. Somado ao carnaval, sua acrobacia não me cabe; ele tem pressa de aurora. Quantos universos aos despojos se reúnem no saco? Quando cheio, também possui sua folia de momo. É minha mais alegre desistência de vida. Vazio é que não se segura em pé. E a forma de ser do saco vazio é minha quarta - feira de cinzas sem forma.

No frêmito de outros corpos, o envolvimento com uma repentina solidão a anunciar-me. Minha expressão se perde na multidão: eu encontrável. Eu pagão na festa da própria carne tão útil, enquanto a olho. O mutismo é o que o axé provoca nos outros. É o frevo novo nos prédios, que recolheram a cidade de outros carnavais.

G Monteiro
Enviado por G Monteiro em 28/02/2009
Reeditado em 10/01/2011
Código do texto: T1461985