Nasce um poeta
Não me lembro, naturalmente, do primeiro livro que li. Mas o primeiro livro de poesia que li lembro bem: “Os Simples”, de Guerra Junqueiro. Foi quando descobri que o poeta era um cara de carne, osso e pescoço como a gente. E que a gente simples da roça, os bichos, as árvores, o ambiente da minha infância, enfim, podiam ser matéria de poesia. Portanto, se eu me esforçasse, se aprendesse as manhas, as técnicas do ofício, poderia também ser poeta.
Já quiseram me desqualificar essa lembrança, talvez num elogio: eu seria poeta de qualquer forma, encontrando-me com Guerra Junqueiro ou não. Talvez, mas para mim, se não foi essencial, foi tão bonito esse encontro que é como se fosse essencial.
Eu era seminarista em Rio do Oeste, SC, quando me caiu nas mãos um exemplar velhíssimo, que tinha todo o sabor de novidade do mundo. Nos livros escolares eu já lera poemas de Camões e Bocage, Bilac e Alphonsus de Guimaraens ou Cruz e Sousa: não eram gente, mas entidades algo abstratas. Guerra Junqueiro foi o primeiro poeta que eu conheci. Era um homem como o meu pai, o meu avô, os homens da roça que eu conheci.
Abra um livro e encontrarás um homem – nunca um adágio caiu tão bem. Abri “Os Simples” e foi uma iluminação. Eu descobri que a palavra tem mais poder do que dar nome, convencionalmente, às coisas. A palavra criava as coisas. Tinha o poder de criar o mundo.
Os poemas são órgãos ligados por artérias especiais ao poeta que os criou. São partes do poeta. O conjunto desses poemas, um livro, é o poeta. Posso estar exagerando, querendo assim pagar uma dívida a Guerra Junqueiro, mas é o que sinto, o que intuo, com força de verdade: somente o livro pode revelar o poeta, não poemas isolados, por melhores que sejam.
Continuarei esta crônica para falar um pouco mais de Guerra Junqueiro, para tentar explicar por que ele foi importante para mim, embora já tenha dado a resposta: porque no seu livro “Os Simples” encontrei um poeta, e descobri que o poeta é um homem.