Deixando a caverna
Quem assistiu à trilogia Matrix sabe quão forte é o simbolismo que a envolve. Eu, que já vi várias vezes os três filmes (“The Matrix”, “Matrix Reloaded” e “Matrix Revolutions”), não me canso de admirar a riqueza de detalhes na complexa trama que gira em torno de temas instigantes, como realidade e virtualidade, liberdade e escravidão.
Recentemente uma das turmas da FDV (Faculdade de Viçosa-MG) em que leciono Filosofia assistiu, em sala, ao “Matrix 1”, com a incumbência de associá-lo ao famoso Mito da Caverna, escrito há cerca de 2,4 mil anos pelo filósofo grego Platão. A proposta? Levar os alunos a perceberem como algumas questões que envolvem a existência humana continuam atuais, ainda que abordadas de formas diferentes.
No Mito da Caverna o filósofo descreve uma situação hipotética em que algumas pessoas teriam passado toda a sua vida acorrentadas dentro de uma caverna. Iluminados apenas pela luz de uma fogueira, estes prisioneiros viam projetadas na parede as sombras de tudo que passava lá fora. Para eles aquilo era a única realidade.
No dia em que um deles consegue se soltar e fugir, as próprias noções de realidade e verdade mudam radicalmente. O homem liberto descobre, então, que o mundo lá fora é completamente diferente de tudo que seus olhos se acostumaram a ver. Deslumbrado, o ex-prisioneiro resolve voltar à caverna para contar aos companheiros o que descobriu. Estes, numa reação normal dos que se acomodam em suas próprias crenças, não aceitam esta nova versão da realidade.
Platão, em sua alegoria, lança um alerta para o risco do conhecimento humano ser usado para camuflar a realidade; para enxergarmos o mundo pela ótica da aparência (os sentidos), e não pela da essência (a razão). Também esta é a proposta da trilogia dirigida pelos irmãos Wachowski, já um marco do cinema.
Assim como na caverna inventada pelo filósofo, a Matrix nada mais é do que uma pseudorrealidade. No enredo dos filmes a humanidade vive no futuro dias bastante nebulosos. Enredado pelas máquinas que eles próprios criaram, os humanos se veem aprisionados na teia desta inteligência artificial. As máquinas que forjaram a Matrix inseriram quase todos os seres humanos em uma realidade virtual, onde experimentam um tipo de vida que, de fato, não existe.
O hacker Neo (interpretado por Keanu Reeves) é a peça-chave em toda a trama. Ele é tirado dessa falsa realidade pelos humanos que escaparam do domínio da Matrix. Um deles, Morpheus (Laurence Fishburne), pode ser associado ao prisioneiro do Mito da Caverna, que se sente impelido a retornar para avisar aos demais que eles estão sendo enganados.
Tanto o clássico da Filosofia quanto esta fantástica obra cinematográfica são potentes faróis a apontar o caminho que nos leva à luz do (auto)conhecimento. Por esta via é possível concluir que não dá para falarmos em liberdade se não pudermos realmente escolher, conscientemente, o rumo no qual queremos trilhar.