Depositário Fiel de minha alma
Tenho alma, mas nada posso fazer, não posso doá-la, não posso negociá-la, nada posso fazer. Sou depositário fiel de minha alma, que não me pertence e assim vou usando-a, e torcendo para o dono ou a dona não aparecer, me disseram e foi gente séria que falou, que são uns cinqüenta anos para que ela seja só minha, haja paciência, mas pensei, tanta gente por ai que não tem alma nenhuma e ainda de quebra falta coração, e eu, apesar de não ter muito lá meu fígado, ter um dos rins ferrados, veja bem, tenho um coração que bate meio descompassado e sim, já sei, não é minha, é de terceiros, já esta negociada, mas esta aqui, sim, esta alma que não me pertence, mas esta em mim. Vou andando por ai, não para pra pensar nisso, não me importo que uma hora assim ou assado, bem assim, de hora pra outra, me tomem isso, e vou em frente como se fosse minha de papel passado, enfeito, evoluo, dou alimento a ela, cresço e aprendo, deixo ela viva e crente que estar comigo vale a pena, sei também, que se for, nada vai ter adiantado, vou ser mais um corpo vazio sem brilho algum, mentira, vão me sobrar uma porção de órgãos inclusos o fígado meia boca e um rins sozinho, junto com tudo isso, as memórias do quanto aprendi e então, na companhia daquela alma que esteve em mim, tantos sentimentos que fizeram o que tinha e não tinha pulsar em meus encanamentos carnais e fizeram que meus olhos fossem disparadores ávidos por uma nova janela para brilhar e conter o negro da vida dentro e fora de seu quadrante, que fosse capricho, fosse boa ação, vontade, querer, falta do que fazer, mas que fosse e assim eu fui, fui mesmo, brilhei almas, usei esta aqui, que de passagem, ainda é minha, espero. E assim justifico meus caminhos tortos, que nunca se repetem ou são iguais, sempre andando e mudando de lugar, pensamentos e até sentimentos, carrego comigo dento de mim algo que não é meu, mas que dentro de mim, onde já esta, não quero que me tirem, prefiro assim, quero sentir tudo o que me for devido e negado também, me dei este direito, vou indo, não posso ficar mais, prefiro não correr o risco de aparecerem por aqui, não, não sei se é covardia, minha pressa não me deixa perceber, sigo e levo assim, corpo falido e alma pendente, eu, mais um entre tantos, o que me difere, mesmo que não minha, carrego esta alma dentro de mim.