Estou liberto

Estou liberto, meu corpo não mais me prende, sinto minha alma vazar em meus poros, o mundo agora é apenas uma janela aberta, e não mais uma das varias portas que um dia se fecharam, não sou mais matéria, não sou mais corpo, não me toque mais, não sentirei seu desejo, meu corpo é parte da terra, minha alma agora se vai com o vento.

Estou liberto, minhas pálpebras não me protegem mais do que antes não queria ver, meu pudor esvaiu junto as crenças e medos que seguravam vagos conceitos incertos que me faziam parecer humano, palavra sem sentido no contexto geral de toda humanidade, que novamente nos conduz a um conjunto de palavras sem sentido algum, o que somos, quando somos, para que somos, não mais me interessa, estou liberto.

Meu sexo não tem mais formas, não tem mais métricas e adjetivos, penso que pensar já basta, tens o que e onde, e também como, o que tens? Quem acha deliberadamente que tens? Nada tens, nada és, nada. Sou parte de tudo, e tanto assim não é possível se ter, mas garanto, pense, queira, veja alem do corpo que já não tenho, e terás ínfima parte do todo, que será o suficiente para preencher seu querer, e bastar em seu desejo.

Estou livre, livre de tudo, de todos, de qualquer convenção, qualquer imaginação que não seja a minha que se for minha conveniência, serei certa divindade resplandecente em nudez ofensiva aos olhos que quem só isso busca, serei tantos que se perderão procurando apenas um único eu, serei assim, nada em tudo, e ainda sim, serei o que sou.

Estou sim, disperso no universo, longe do julgo e do peso, afastado da dor, distante da cruz, em qualquer momento que não seja este ou aquele, apenas ali, por ai, vago em tudo que é vago, não me preocupo mais em parar em alguma vaga, estacionar, apenas vou com o vento, onde soprar, onde sentir, onde puder e como puder, vago distante de meus momentos e pensamentos, não são meus, se os tenho e penso, são do universo, eu apenas componho parte desta magnífica criação cheia de resplendor que Deus seja como for nos deu a oportunidade de nascer cravado em cruzes para libertar a alma de todo corpo.

Tenho certeza, não mais olharas em meus olhos, castanhos, verdes, azuis, o que importa, o que sentem no seu turbilhão que leva sentidos a qualquer vida que queira viver, se não, imagens são quadros mortos cravados junto ao corpo na cruz que pesa o próprio julgo sem graça e tempero de todo ser que não se liberta, que vive o dia após o dia, que espera chegar sem dar o passo em direção ao próximo passo, apenas.

Estou liberto, nada mais me interessa, meu corpo, seu corpo, meu desejo é não mais desejar, apenas vou sentir o universo me envolver, se tanto se fez, que também se libertou, se for você parte de tanto e de tudo, não haverá mais desejo, não teremos mais a necessidade de pensar em que e onde e talvez como, seremos então um só nesta imensidão, toda fusão já existe em sua essência antes mesmo da existência dos corpos libertos envolvidos, são o que são, e quando são, não há mais o que se explicar, o que posso dizer, é que sou liberto, e de tanto que fiz e fizeram, agora nada mais importa, apenas, sou, e sim, estou liberto.