A morte do poema
Em primeiro lugar, a página branca. Ou a tela do computador. É sempre uma lápide. Como se fôssemos dizer a última palavra. O poeta, como qualquer homem, não sabe o que vai gravar, de definitivo, final. As palavras de um poema soam como definitivas. Epitáfios.
Nada mais despojado do que uma lápide. O poema é nobre e frio como o mármore. Diante dele, diante da morte, o poeta é mais despojado ainda.
É poeta porque domina uma técnica. Mas em que essa técnica pode ajudá-lo? Ela não existe por si só. Dá forma a um sentimento. A ética está por trás desse sentimento. Está por trás do homem. Mas não é a ética, nem é o sentimento, que determinam o poema. A eclosão, a explosão do poema. Essa criança insegura entre o silêncio e a linguagem. Mal toma consciência do mundo, revela-se-lhe o quanto desconhece, o mistério à sua frente.
Chega uma hora em que a palavra é nada para o poeta. O poeta toma consciência, como uma criança diante do cosmos, de que há uma palavra absoluta. Inatingível. Qualquer poema é sempre o primeiro poema. É sempre essa tomada de consciência do absoluto. Um sentimento de impotência. Nada do que possa dizer transformará a realidade. No entanto, é preciso dizer. É preciso gravar a verdade final na lápide.
O poema é invenção. Apossa-se de todas as possibilidades. Nada lhe tolhe os passos. E, ao mesmo tempo, tudo. É um pássaro na palma da mão pronto para a possibilidade do voo. Sabendo que é apenas uma possibilidade. Com as asas cortadas, a garganta cortada, cego. Enfim, tudo lhe tolhe o voo. A possibilidade e a impossibilidade do voo são o território do poeta.
A essência do poema é a falta de sentido do universo, da palavra, da vida e da morte. Precisa gravar a lápide porque sabe que aquele instante não vai sobreviver. Precisa organizar o mundo para a morte. O êxtase da vida é desorganizado pela morte. Escreve para fixar esse êxtase. É um servo da incoerência: escreve para falhar. A lápide é gravada: o poema existe, falho e inútil, contra todas as expectativas.
8-01-09