Cony e eu
Alguma coisa nós temos em comum. Algumas coincidências no mínimo curiosas. Veja só: Cony não falou até os cinco anos, depois tomou um susto e desandou a falar, mas errado, ininteligível, como se tivesse a língua presa. Tinha. Foi operado com treze anos, mas ainda não falava coisa com coisa. Era a dislexia no caminho. Fez exercícios com bolas de gude na boca. Acabou falando até profissionalmente.
Eu falava errado e era motivo de gozação para todo mundo. Aprendi a falar com quinze anos. Estava no seminário e me autodiagnostiquei uma provável dislexia. Como não fui orientado por ninguém, não fiz exercícios com bola de gude, mas com pedras mesmo, como Demóstenes. Aprendi a falar e, praticamente só então, a ler e escrever.
Cony foi para o seminário com uns doze anos, eu também. Ele porque queria fazer bonito. Eu porque não sabia dizer não. Saímos quase oito anos depois. Cony diz que perdeu a fé, e a saída do seminário foi traumática. Deve ter jogado um palavrão na cara do padre Reitor como eu: isso é motivo para uma saída traumática. Eu um dia voltei à religião – e ele afirma que, se pudesse voltar atrás, se ordenaria padre.
Cony fez curso de línguas neolatinas, que não concluiu. Eu sou licenciado em Letras Vernáculas, tenho registro do MEC de professor de português, francês e latim, mas não me formei em neolatinas por teimosia. E as coincidências acabam aí, já é muito, não?
Mas vou dizer ainda que o primeiro livro de Cony que li foi “Informação ao Crucificado”, que narra a sua experiência de seminarista. Escrevi também um romance narrando a minha experiência. Ganhei o Prêmio Nac. de Lit. “Cidade de B. Horizonte” com ele, mas não foi publicado. Então, apresentei-o ao Prêmio SESC de Literatura e ficou entre os finalistas. Cony era um dos jurados e acredito, como consolação, que tentou premiar seu irmão espúrio.