Papai Noel comercial
Se existe uma figura simbólica que fica cada vez mais banalizada é Papai Noel. Depois que o Bom Velhinho virou sinônimo de emprego temporário de fim de ano, aparecem as figuras mais esquisitas do mundo para representar aquele que continua mexendo com o imaginário de gerações de crianças.
Na minha infância ele existiu, mas era quase um mito, no mesmo rol dos anjos, das fadas e dos duendes. Acreditávamos que ele aparecia para deixar nossos presentes e tentávamos – sempre em vão – surpreendê-lo ficando acordados madrugada afora. Mas no final sempre vencia o sono profundo para, na manhã do dia seguinte, dar lugar à expressão de felicidade pelos presentes deixados ao lado dos nossos sapatos. Pelo menos grande parte da minha geração infantil anos 70 e de outras que vieram antes curtiram este Papai Noel bem mais imaginário do que real.
As coisas, no entanto, mudaram muito. Nos últimos tempos o Natal começa cada vez mais cedo para satisfazer os anseios do comércio, e em cada esquina é possível encontrar os mais diversos modelos do Bom Velhinho. Diga-se de passagem, cada um mais terrível do que o outro! O chamado Papai Noel de aluguel não tem a cara e o jeitão do Bonachão-do-Pólo-Norte, nem consegue encarnar a personagem assim que veste a sua fantasia.
Há alguns anos aconteceu um episódio muito engraçado em Belo Horizonte envolvendo a filha de um amigo, de dois anos e meio, e um Papai Noel contratado por um shopping da cidade. A menina estava passeando com sua mãe quando viu o Bom Velhinho sentado em sua cadeira, tirando fotos com a criançada. É claro que a garotinha insistiu para registrar seu encontro com aquele a quem vinha aguardando o ano inteiro. Já no seu colo, com a mãe ao lado, a menina foi protagonista do seguinte diálogo:
Papai Noel: Olá, mocinha, como é seu nome?
Garotinha: Carol.
Papai Noel: Que nome bonito! Você já mandou cartinha para o Papai Noel pedindo seu presente?
Garotinha: Já.
Papai Noel: E você tem mais irmãos?
Garotinha: Tenho, sim; eles são gêmeos.
Papai Noel: Que legal!!! E como se chamam?
Garotinha: João e Pedro.
Papai Noel: João e Pedro? Que legal! O meu é Antônio.
Garotinha: ??????
Mãe: ??????
Nem as mentes ultra-imaginativas das crianças conseguem manter a magia natalina depois de uma dessas. Talvez Carol – hoje mais velha – tenha conseguido manter por mais algum tempo a sua crença em Papai Noel. Tomara que outras tantas como ela tenham mais sorte e encontrem atores melhor preparados, que, na falta de espontaneidade para travar um diálogo com os pequeninos, saibam se manter calados ou resumam suas falas ao tradicional e bem empostado “Ho! Ho! Ho!”.
De qualquer forma, essa nem é a pior constatação. Triste mesmo é ver a desilusão no rosto dos milhões de meninos e meninas de origem humilde que, desde muito cedo, já sabem que o Velho Noel é, na verdade, Antônio, Pedro, José, João... pessoas totalmente comuns, sem qualquer destaque social, sem dinheiro no bolso e à espera de alguma alma caridosa que possa fazer a vez de Papai Noel para seus filhos.