O chiclete mascado do ator

Uma das marcas desta época em que vivemos é, sem dúvida, a superficialidade dos valores morais. As notícias diárias em todos os órgãos da mídia são provas incontestáveis desta que é bem mais do que mera opinião.

Na semana passada, uma dessas notícias trouxe o seguinte título: “Fã paga R$ 349,00 por chiclete de Cauã Reymond”. Para quem não ouviu falar, trata-se da “boa ação” do ator Cauã Reymond, que mastigou um chiclete por 15 minutos e o leiloou na internet em prol da ONG Dentistas do Bem, que atende cerca de 5 mil crianças carentes em todo o país.

Antes de comentar a atitude em si do ator e o desfecho desta história inusitada, vale ressaltar a incoerência de alguém leiloar um chiclete usado em prol de uma entidade que trata dos dentes (“inimigos declarados” das gomas de mascar!). Por que não emprestar a imagem de artista do momento para uma campanha mais abrangente, que envolvesse a divulgação dos Dentistas do Bem e arrecadasse fundos para ela?

O resultado do leilão do chiclete mascado pelo ator foi o aparecimento de um fã de 21 anos, morador de Curitiba, que desembolsou os 349 reais pela “borracha” e ainda voou até São Paulo para receber seu prêmio das mãos do próprio ator. O que não se sabe é se o ganhador levou seu chiclete numa caixinha de presente ou se continuou a mascá-lo no caminho de volta...

Esse caso me fez lembrar do excelente filme australiano “Priscilla - A Rainha do Deserto”. Numa cena memorável, a drag queen Adam (personagem de Guy Pearce) carrega pendurado no pescoço um pingente com um pedaço do cocô de um dos integrantes da famosa banda ABBA, que ela conseguiu apanhar no vaso sanitário de um camarim.

Guardar um pedaço da grama que “os Beatles pisaram”, carregar no pescoço o “cocô do ABBA” ou arrematar o chiclete mascado de Cauã Reymond são bem mais do que loucuras de fãs. Não dá para tratar como normais atitudes assim, mesmo que elas aconteçam na adolescência, quando ter ídolos é basicamente uma maneira dos futuros adultos se projetarem no que gostariam de ser.

Nessa fase de vida é importante que pais e professores reforcem as próprias qualidades e conquistas de seus filhos e alunos. É preciso que eles saibam que seus ídolos são pessoas de carne-e-osso, que também erram e têm defeitos como qualquer um. É fundamental que se converse com um adolescente que resolve, por exemplo, fazer loucuras para apertar a mão ou beijar o artista que idolatra.

É muito diferente querer assistir ao filme estrelado por Cauã Reymond por ele ser um bom ator de arrematar um chiclete que ele mastigou apenas por se tratar de um rosto famoso. Neste caso, vale até perguntar ao filho se ele arremataria o fumo mascado por “Seu Zé” lá da roça em prol de uma ONG que trata de crianças com câncer. Quem sabe assim, com um tratamento de choque, ele não consiga perceber a sua atitude descabida!

Roberto Darte
Enviado por Roberto Darte em 24/12/2008
Código do texto: T1351094