ÉTICA DE NATAL

Fomos criados dentro de uma ética natalina de cunho cristão e marcadamente familiar. Na minha origem, a orientação era católica e espírita – esta por influência de meu avô materno. Aos meus filhos, pouco passei de religiosidade, salvo no sentido mais sutil de que a união familiar é imprescindível, estivesse eu casado ou separado. Os rituais de Papai Noel, da árvore decorada, da ceia farta e variada, dos presentes mais importantes, sempre foram respeitados e cristalizavam a tradição de um grande evento espiritual e gregário, para o enorme prazer coletivo. Em grandes bandos na casa de um ou de outro ou em pequeno reduto na própria residência, cultivávamos a liturgia do encontro de família, com toda a pompa, salvo em poucas ocasiões quando viajei a paragens mais longínquas e não tinha filhos. Junto com o Dia das Mães, o Natal ainda se mantém como grande ocasião de profundo congraçamento, por mais que tentem transformá-lo em megaevento social, turístico ou comercial. Para a turma jovem, armam-se festejos pós-natalinos que varam a madrugada e terminam bem depois do soluço final do galo: vivemos, enfim, na civilização da diversão máxima. Faz parte. Também é normal que se aproveitem viagens e excursões natalinas. Variar é bom. Afinal, ética de Natal não tem a ver com etiqueta ou com padrão de comportamento. Pode-se estar muito bem com os seus na beira de um rio, num cruzeiro marítimo, a beira-mar ou num sítio isolado. Tudo depende das circunstâncias de cada um. Ou das idiossincrasias. O que me parece que não deva faltar é a consciência de que Natal não é Réveillon, pois é mais do que uma bela festa, do que um simples entretenimento pagão e lúdico. Seja em homenagem aos antepassados, aos parentes e amigos distantes, ou aos grandes signos da sociedade humana, convém que o Natal preserve algum toque legítimo e mais intenso de fraternidade e de respeito à criança sonhadora e ansiosa que um dia fomos, temente a Papai Noel e carente do aconchego de pais, irmãos, parentes e amigos. Mas, se outra for sua convicção, tudo bem, ainda assim será Natal. A Saturnalia, afinal, era uma festa romana, pagã, de enorme significação. E se você resolver escalar o Monte Everest, vai fundo, porque uma voz interior saberá expressar a grandeza da hora e evocar lembranças. Depois, vem um relativamente longo período tórrido de férias, que se consagra ao turismo ou ao veraneio, quando as crianças só brincam e se divertem em locais mais aprazíveis e os adultos buscam realizar os seus mais secretos ou públicos prazeres, como pescar, caçar, acampar, descobrir novos mundos, vagabundear ao sol, beber, comer, namorar, jogar e dormir como nunca. É a pura ética epicurista, que explode no Carnaval - eleito como momento apoteótico do prazer humano e marca da nossa brasilidade - com nem tanta ética, mas muita estética. Só depois a vida segue normal. Por ora, que impere um pensamento cristão e solidário, junto com a lembrança inspiradora de nossos Maiores.

José Pedro Mattos Conceição
Enviado por José Pedro Mattos Conceição em 25/11/2008
Reeditado em 23/12/2019
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