Alba e Mattina
“Alba” é a minha leitura de “Mattina”, o poema mais famoso de Giuseppe Ungaretti (1888-1970). “Mattina” é a prova de que poesia é intraduzível. Como recriar em outra língua a beleza e a amplitude de visão daquele punhadinho de palavras?
Quem não se lembra de imediato (e para quem se lembra, para se deliciar mais uma vez com o encantamento dessas palavras), o poema é isto:
Mattina
M’illumino
d’immenso.
Um poema completo, que vai tão longe, de perder o fôlego. Como recriá-lo em português? E já usei duas vezes o verbo “recriar”. Não gosto muito desse termo para me referir à tradução, mas que outro usar? Transcriação? Augusto de Campos traduziu: “Deslumbro-me / de imenso.” Onde fica a iluminação, que desde Rimbaud, é uma explosão nas entranhas do universo?
Prefiro pensar em tradução como um subsídio para o leitor ler o original. Há casos dificílimos, como esse de “Mattina”. A minha seria básica: “Ilumino-me / de imensidade.” Mas falta nela, como em todas que conheço (não por deficiência dos autores, mas pela dificuldade da realização), a magnitude e a iluminação do texto de Ungaretti.
Eu preferiria falar na possibilidade de traduzir-se o espírito do texto, como queria Borges. Na prática, a gramática da criação (Steiner) é outra.
Prefiro dizer que “Alba” é um poema meu, criado d’après “Mattina”, de Ungaretti.
Alba
A dor das ameixas
abrindo-se à luz.
*
Não gosto de explicações de poesia, principalmente da minha (da do próprio poeta). O autor apresenta o poema, o leitor frui a poesia ou ela flui por ele.
A comparação é feia, mas costumo lembrar a piada. Perde toda a graça se você precisa explicar. Verdade que há maus contadores de piada, mas é freqüente encontrar-se maus ouvintes. É a mesma coisa com a poesia.
Mas pensei em contar a história de meu pequeno poema quando li o comentário do Aldy Carvalho a “Alba”: “E a luz se fez e toda claridade absorvida na retina / Em toda claridade dos sentidos”. Era como se ele estivesse falando de “Mattina”. Talvez estivesse.