QUAL É A SUA PROFISSÃO MESMO?
Fátima Irene Pinto
Hoje cedo o telefone tocou.
Era um amigo empresário querendo me contratar para atuar na área de expansão.
- Oi, Fátima! O que você está fazendo de bom?
- Escrevendooooo!
- Ah! ... fala sério! Você não está fazendo nada? Estou precisando de você aqui.
- Agradeço, Amigo! Mas estou escrevendooooooooo!
- Bem. A proposta continua em aberto. Se mudar de idéia me avise.
Ah! ... se ele soubesse o quanto aquele "ah" seguido da pausa e comentário me pegou na veia!
Foi a 3ª proposta desde a minha aposentadoria do BNC em Maio/2004.
Sinto-me contente quando ainda sou lembrada e convidada para voltar ao mercado de trabalho.
Por outro lado, fico desarvorada com o descaso que percebo nas pessoas no que tange à atividade da escrita.
Para a grande maioria, isto é nada!
Para outros, é coisa de gente alienada e para outros ainda, é coisa de quem não tem o que fazer.
Se a pessoa se declarar poeta então, pode esperar outros Ah...! seguidos de um olhar vago que evito interpretar, mas que minha alma interpreta claro como a luz do sol.
Nestas horas - somente nestas horas - eu queria ser a "Paula Lebre", constar na Academia e ganhar rios de dinheiro.
A Academia até que passa batido para muitos, mas ganhar "rios de dinheiro" é algo que todos reconhecem de imediato, aplaudem, respeitam e reverenciam.
E assim, quando vou preencher formulários ou atualizar cadastros, muito a contragosto eu tenho que colocar no ítem profissão, a palavra aposentada.
Como aposentada, se nunca me senti tão viva, tão feliz e tão atuante?
Não estou viajando. Não estou fazendo academia. Não estou no clube da 3ª Idade. Não estou criando netos nem jogando buraco com as amigas.
Estou fazendo o que gosto: escrevendooooooo!
Mas como tal ofício não tem valor nem credibilidade - exceção para os consagrados e consagradas - para todos os efeitos eu continuo não "fazendo nada", como bem disse o empresário que queria me contratar.
No próximo convite talvez eu crie coragem e diga:
- Não posso aceitar o seu convite porque no momento estou interpretando o canto dos passarinhos, estou em eterna ode ao sol e à lua, estou sériamente comprometida com as flores do meu jardim e com a mangueira centenária do meu quintal.
Minha profissão atual implica sintonizar ondas curtas, médias e longas que vêm tanto dos recônditos ignorados do meu ser, como das áreas mais sublimes do universo.
Consiste em navegar nos olhos negros dos meus filhos em momentos de ternura inexplicável.
Revela-se no coração batendo forte, irradiando tons de rosa quando decanto o amor que sinto pelos meus amigos.
Minha profissão, meu caro, é feita de agonias e enlevos, é feita de súbitas e febris revelações.
E finalmente, meu Amigo, não posso aceitar sua proposta porque no momento minha profissão é POETA, com muito orgulho!
(Dedicado aos que escrevem com paixão, mesmo sem auferir um tostão)