As cachoeiras

As pedras claras, refletindo o sol. A água descendo, dois volumosos jorros d’água escorrendo suaves do alto. Não se vê a violência da água. É como se acariciasse as pedras, amareladas por muitos e muitos metros ao redor, mas negras onde a água cai, onde mal se vêem as pedras no meio da água.

Vegetação no canto esquerdo, e é como se penetrasse sob a água, que já desceu dois lances de degraus de pedras; à frente um tufo maior, verde, de que uma sombra realça o brilho; tufos maiores, mais brilhantes, acima, onde começa o jorro d’água da direita, que parece cair do meio das pedras.

Árvores no cume da cachoeira, desgalhadas, ressecadas. No início do jorro da esquerda (o da direita não se vê), um grande bloco de pedra: é como se a água saísse de dentro da pedra.

Uma pouca de terra, quase vermelha, num barranco sob as árvores; vegetação rala, esparsa, semeada ao acaso, adstringindo-se às pedras; e as pedras ali, a água jorrando no mesmo lugar, como se a paisagem não se mudasse, a mesma água, as mesmas pedras, as árvores secando-se no pouco chão entre as pedras.

E o azul paira no céu limpo, em êxtase.

A cachoeira está quase seca, os grandiosos blocos de pedra espelhando o sol, ao centro, e dois filetes d’água aos lados lembrando o velho esplendor de nuvens e nuvens d’água, espumas e espumas elevando-se do precipício, vestindo as pedras de um véu suavíssimo.

As pedras são noivas tristes ao sol.

Ao centro, embaixo, uma poça d’água meio parada, meio suja, que veio se esgueirando por entre as pedras, dos lados. Acima, um confortável trono formado pelas pedras, pelo trabalho incessante das águas nas pedras, esperando que ali se assente algum príncipe gigantesco.

E descanse a perna esquerda, exausta, no refrigério daquele poço esquecido, esse príncipe de fábula nesta cachoeira de fábula, enquanto o pé direito se alonga e se apóia nas pedras secas aquecidas pelo sol, e se ergue delicado, sustido talvez apenas pela polpa dos dedos, para que o cotovelo ali, no seu joelho, repouse, e a mão desanimada segure o queixo, e se torne um pensador lamuriento.

Chorando a noiva ausente, que nem o seu véu ali deixou, esse príncipe-pensador meditabundo, sem saber que as pedras é que são noivas tristes ao sol.

Estou de costas, o braço direito apoiado em um caule fino, a mão esquerda espalmada sobre o joelho dobrado, o pé pisando uma pedra mais firme no húmus frágil.

Folhas e folhas espalhadas no chão. Ramagens, orquídeas, samambaias, folhas claras, amarelas, e folhas verde-escuras pendem ao meu redor. Folhagens, arvoredos, cercam-me.

Estou olhando a cachoeira. Não me movo, olhando fixo. É como se as águas não se movessem. Uma queda imóvel, entre as pedras e as árvores. Caem sobre uma muralha de pedras, grandes blocos retangulares, justapostos, encaixando-se em uma harmonia estudada.

A água parada, caindo. Somente as árvores se mexem, movidas pela brisa, pelo fragor da água, que, no entanto, não se move. O universo verde, encantado pela sinfonia das espumas brancas.

Estou em silêncio; ouço, no fragor da água multiplicando-se, o silêncio. Um instante primordial paira entre a queda da água e o instante mínimo seguinte, parado no eterno.

Vê-se a água entancada lá no alto, vazando e despencando-se aos borbotões pelas pedras. Há muitas pedras claras da luz do sol, claridade que o verde-escuro da vegetação e das árvores enfatiza.

À direita, ao fundo, um lago de água clara, esverdeada, refletindo um pouco de sol e um pouco do verde das árvores.

Ruínas ao lado, do que foi uma usina elétrica. As pedras são pontiagudas, mas não ferem; desferem chispas do sol agudo, como facas no ar, mas não ferem: suavizam o olhar, descansam.

O que se vê são os gritos da água, uma orquestra descabelada zunindo seus uivos, que são gritos e são uivos, mas são agradáveis.

O coração bate mais forte, é um monjolo descontrolado dentro do peito, mas feliz, exultante.

Estamos aqui, ao pé, levados de uma ventania, de um furacão, e é como se pairássemos suaves no ar claro.

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("Cachoeiras" é composto de três ou quatro pequenas crônicas, que tentam retratar três cachoeiras de Minas Gerais: Cascata das Antas, a primeira e última; Véu das Noivas, a segunda; e a Do Félix, em Bueno Brandão, a terceira. Resolvi depois publicá-las separadas, menos a Bueno Brandão, mais fraca.)