TRAGÉDIA DÁ AUDIÊNCIA
Fátima Irene Pinto
Quando houve o acidente com o avião da GOL, foram 30 dias ou mais de intensa cobertura por parte da imprensa. No caso Isabela ídem, e no caso Eloá não tem sido diferente.
Fátima Irene Pinto
Quando houve o acidente com o avião da GOL, foram 30 dias ou mais de intensa cobertura por parte da imprensa. No caso Isabela ídem, e no caso Eloá não tem sido diferente.
Mais de 12 mil pessoas estiveram presentes no funeral da jovem em Santo André.
A gente passa de um canal para outro mas o tema é o mesmo, repetido, vasculhado, dramatizado, detalhado, pormenorizado, exagerado, apelativo, manipulador dos sentimentos do público. Será que apenas eu vejo desta forma?
Não sou jornalista e portanto não os censuro. Eles têm que produzir para garantir o pão de cada dia. Arriscam-se muitas vezes ficando bem no olho do "furacão", afinal as tragédias dão audiência. Mas na maioria das vezes a "pedra" é colocada bem em frente ao nariz, quando o correto seria permanecer a meia distância e porque não dizer, no chão, mas isto seria uma visão muito filosófica e transcedental. Não interessaria a ninguém.
Por que a tragédia dá tanta audiência?
Penso que as pessoas estão tristes, vazias, sem rumo.
Suas vidas estão sem graça, sem foco, sem meta.
Todos os dias a mesma toada, a mesma rotina, os mesmos horários para fazer as mesmas coisas, os mesmos assuntos ou a falta deles. E então ocorre algo impactante.
As pessoas tiram o foco de si mesmas para mergulhar na tragédia alheia.
Que alívio poder tirar o foco de si, em especial quando este "si" está vazio de alegrias e realizações e quando a tragédia é com os outros.
Uma gama de sentimentos incomuns são então experimentados por várias semanas, afora aqueles sentimentos que a mídia quer que experimentemos para continuarmos em frente à telinha, comovidos, consternados, indignados, esquecidos de nós mesmos e das nossas pendências de longa data.
Algumas pessoas têm melhor discernimento e rapidamente formam a sua opinião com alguma reserva e distanciamento.
Outras vão se deixando envolver excessivamente.
Em alguns casos a imprensa ajuda o trabalho das autoridades.
Em outros porém, embola o meio de campo, confunde e precipita os acontecimentos.
O Príncipe Charles dizia: maldita imprensa!
Eu não penso assim. Reconheço que há pessoas notáveis nesta profissão assim como notável é a rapidez com que os fatos chegam até nós.
Eu diria maldita falta de comedimento, maldita ganância por audiência a qualquer preço que vai mexendo com a massa e manipulando-a, a ponto de levá-la à histeria.
Hoje a mídia é o maior, o mais sofisticado e o mais bem articulado poder sobre a face da terra. Conduz as massas para onde quer e convém.
E assim, de tragédia em tragédia, as pessoas vão vivendo as desgraças alheias tão absurdamente exploradas pelos meios de comunicação.
Evidentemente não desconsidero o fator solidariedade.
É gratificante ver as pessoas se unirem a partir de um fato ou de uma dor impactante e criarem algo de bom: um movimento, uma fundação, uma revisão na lei, uma nova lei.
Não desconsidero também o fator aprendizagem: sempre há uma grande lição a ser aprendida em cada tragédia e isto serve para todos.
E talvez seja este o caminho: aprender com a dor e criar algo melhor a partir dela, para que não seja esquecida pouco tempo depois, como mais um capítulo de novela televisiva, sem nada ter acrescentado de edificante, individual ou coletivamente.
22.10.2008