Entregando o santinho e “batendo um papinho”

DITO CLÁUDIO

Política é assunto desagradável para a maioria e eu mesmo já fiz parte do rol de pessoas que sequer gosta de tocar no assunto.

Meu pai já foi forte cabo eleitoral na sua época de militância e muito requisitado pelos postulantes ao cargo de prefeito, vereador, deputado. Sua campanha, entretanto, não se restringia a esses níveis e me lembro dele defendendo e suando a camisa para eleger governadores como Adhemar de Barros ou distribuindo os broches da vassourinha para levar Jânio Quadros à Presidência da República.

Suas argumentações eram convincentes e sua empolgação contagiante. Até hoje não sei de onde vinha seu carisma, mas sei que era determinado, confiante no que fazia, sincero no seu ponto de vista, leal com as pessoas honradas e de bom-senso, especialista na arte de convencer. Sabia escolher os candidatos certos e por isso tinha credibilidade. Ninguém se dava ao trabalho, com ele na frente limpando o caminho.

Foi assim, portanto, que um fato interessante ocorreu. Estávamos em nossa humilde casinha na Rua Independência, 77 – hoje Exp. Abílio dos Passos, 73 (escritório Capela), quando pára em frente um “carrão” e desce dele um sujeito “vistoso” procurando por meu pai que o atendeu prontamente.

“Seu Dito, – disse ele – o senhor foi indicado para executar um trabalho para mim e por isso vim lhe procurar.”

Em seguida, mostrando um maço de “santinhos”, falou: - “Quero que faça a minha campanha neste município...”

- “Isso não vai dar certo” – respondeu-lhe meu pai.

- “Como não? – retrucou o sujeito – pelas informações que obtive o senhor é a pessoa mais capacitada...”

- “O problema – devolveu-lhe meu pai, já interrompendo-o – é que eu não conheço o senhor. Não é bem assim que eu costumo fazer as coisas...”

- “Já entendi, Seu Dito, mas não se preocupe que vou pagar muito bem, e adiantado, pelo seu serviço. Só quero que entregue o meu “santinho” e bata aquele papinho que já é do seu hábito com o eleitor.”

Ato contínuo, sacou do bolso um maço de dinheiro propositadamente em notas miúdas e colocou em cima do pacote de santinhos – dobrando o montante sobre a mesa. Se a intenção era impressionar, surtiu o efeito desejado. Meu pai não titubeou. Guardou o dinheiro imediatamente e só lhe fez duas perguntas:

- “É só entregar o santinho?”

- “Sim.”

- “E bater um papinho...”

- “Isso aí!”

- “Deixa comigo!”

Os dois se despediram e o candidato seguiu feliz no seu carrão, enlevado nos sonhos de deputado, sorrindo pra tudo e todos.

Meu pai virou-se para a minha mãe e disse:

- “Dita, vou sair um pouco e já volto. Hoje temos lingüiça na janta.”

Não demorou muito e ele voltou com a lingüiça, outro pacote de santinhos e doces pra mim.

No dia seguinte já estava na rua “trabalhando”. Mais tarde contava pra minha mãe e eu ficava só escutando.

- “Sabe como é – dizia ele – eu chego pro conhecido e digo:

- “Olha, tá vendo esse cara aqui?...” – entregando-lhe o santinho. – “Ele pagou por dois dias de trabalho o que eu não ganharia num mês roçando pasto. Exigiu apenas que eu entregasse isso e batesse um papinho. Nunca ouvi falar dele, não sei se é bom ou não e não gostei do jeito mandão dele, mas como é que eu ia recusar uma dinheirama dessa? Então minha obrigação tá feita: já entreguei o santinho dele e pra encerrar o papo lhe entrego este outro, porque é nesse que eu vou votar.” O eleitor, recebendo o santinho do candidato preferido, e indiretamente indicado, rasga o primeiro e guarda o segundo.

Minha mãe, na sua santa ingenuidade, ainda perguntava:

- “É certo isso?”

- “Pra ele, não. Pra mim, é!

Alguém duvida do resultado da eleição?

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Era assim que ele agia: sempre com senso de responsabilidade sobre o que assumia, mas com a conduta balizada no bom-senso e guiado pela própria consciência.

Minha mãe, diante desse quadro, afirmava:

- “Não gosto de política!”

Eu retrucava:

- “Eu gosto!”

E dirigia um olhar de cumplicidade ao meu pai que em princípio devia estar pensando: “Gosta nada, ele nem sabe do que estamos falando.” Mas em seguida me dava um tapinha nas costas, olhava de forma meio marota para minha mãe e dizia:

- “Esse é o meu garoto!”

- “Isso!, - devolvia ela – fica botando idéias na cabeça dele...”

Mas eu, que não sabia mesmo do que falava, só tomei conhecimento e consciência da importância da política em nossas vidas mais tarde, ao estudar História Geral e as duas Guerras Mundiais. Depois de alguns anos, a convite e por questão de momento, envolvi-me na política partidária e tive a maior decepção. Saí radicalmente dela prometendo nunca mais retornar. O tempo passou, muita coisa aconteceu e fui novamente envolvido. Estou pagando a minha língua!

Mas começo a compreender meu pai quando dizia: “Se você sabe o que quer, vai fundo, pois quem sai na chuva é pra se molhar!”

Minha avó paterna já dizia que seu pai (meu bisavô) almoçava política, jantava política e só pensava nisso. Então, não deve ser carma, deve ser genética mesmo. Alguém sempre acaba herdando... E depois que desperta, não consegue mais dormir!

Porque as “coisas” continuam acontecendo e as rédeas não podem ficar soltas... como se não tivéssemos nada com isso. Como se fôssemos avestruzes...

Lourenço Oliveira
Enviado por Lourenço Oliveira em 15/03/2006
Reeditado em 15/03/2006
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