RODA DA FORTUNA
Nada é mais fantástico do que a realidade. O inusitado, o inacreditável está no dia a dia, às vezes, na porta ao lado, pouco dependente da ficção, que não tem o mesmo vigor e impacto. Este é um caso absolutamente verdadeiro, que acompanhei. Um veterano advogado procedeu a um inventário, contratado pelo cônjuge supérstite, quer dizer, pelo cônjuge que não morreu. Lá pelas tantas, perguntou à cliente, uma senhora de classe média, conhecida sua de muitos anos, de origem estrangeira, se ela ainda tinha ações de uma grande e tradicional companhia nacional, aliás, multinacional, que o pai dela, um empresário com recursos e grande visão ou muita sorte, havia lhe comprado em fins da década de 50, quando a visitara no Brasil, antes de falecer. Ela respondeu que não acompanhava tais assuntos, não era afeita a negócios e que os interesses materiais familiares eram geridos exclusivamente pelo falecido marido, mas foi verificar. Encontrou uns papéis antigos e repassou-os ao causídico. Este, por sua vez, desconfiado, mas pouco seguro do que possuía em mãos, compareceu a uma instituição de mercado para tomar pé da realidade dos títulos, adquiridos há meio século. Lá, foi cientificado de que a cliente era efetivamente possuidora, em ações de liquidez imediata, de algo ao redor de 60 milhões de reais! Bem assim: era só o trabalho de vender e empilhar uma nota sobre a outra, na bucha. O interessante é que a milionária, quase setentona, com dois filhos, parece que passara parte da vida com preocupações comuns de economia doméstica, procurando poupar recursos, levando vida moderada – ela e toda família. Mas não é tudo. Essa senhora, pessoa bondosa e de caráter, resolveu fazer doações em dinheiro a certos familiares que viviam no exterior. O advogado passou então a estudar a questão da remessa de recursos para fora do país, tributos e outros aspectos burocráticos, tudo dentro da mais perfeita legalidade. Bem, sobre doações, neste caso, incidiria um imposto estadual de transmissão, que não vale a pena detalhar. Então, naturalmente, a cliente informou aos parentes que faria as doações abatendo este imposto devido ao Tesouro Público Nacional.
Um desses parentes estrangeiros, pessoa não abonada, reagiu com indignação e recusou o donativo, porque não achava cabível suportar qualquer custo fiscal no Brasil. E não quis saber do dinheiro, até onde acompanhei – quantia que, muitos de nós, levaríamos anos para amealhar. Vejam como são insondáveis os desígnios da Fortuna e que de nada vale a obsessão econômica que a sociedade de consumo tenebrosamente procura incutir-nos como modelo de agir. O dinheiro segue o seu próprio caminho, com suas armadilhas, tentações, desenganos, e, creio, também, com certas preferências e caprichos insondáveis. Como nem em quermesse ganhei algum prêmio, ainda que fosse uma lata de goiabada, com certeza não vou agora pegar a pá para cavar no fundo do quintal na esperança de encontrar um poço de petróleo ou uma mina de ouro.