A Questão da Inspiração
 
Fátima Irene Pinto
 
Creio que eu jamais poderia ser colunista diarista, semanalista ou mensalista de qualquer jornal ou revista que me impusesse temas atrelados a datas: dia das mães, dia dos pais, natal, aniversário, dia internacional da mulher, dia da criança, etc ....
Aqui em minha terra, a Tribuna de Descalvado me pede um texto em ocasiões especiais. Eu mando, porém com uma observação: perdoem-me fugir do tema. Sintam-se à vontade para editar ou não.
 
Sobre o Natal já escrevi uns 5 ou mais textos, abordando-o pelos diversos prismas que a minha imaginação me permitiu, de forma que, se voltar a escrever sobre este mesmo tema, será mera e cansativa repetição. O mesmo posso dizer para qualquer outra data.
Primavera? Ela é tão linda que prefiro mergulhar nela ao invés de decantá-la, e além do mais, as belezas e a luminosidade do mês de Maio me causam ainda maior impacto.
 
De certa forma penso que os colunistas pagos devem passar apuros e muitas vezes não lhes resta escapatória senão pegar carona nas inspirações alheias, por pura e espontânea "coersão".
Quando editei o "Procura-se Um Namorado" (faz tempo), uma colunista de um jornal de grande porte editou algo muito parecido com outro título. Ela pegou toda a estrutura do meu texto/poema e acrescentou uma série de parágrafos a mais para "espichar o brodo" e onde eu mencionava vinho, ela colocou até a marca no dito cujo:-)
Na época eu estava iniciando aqui na Net e tinha apenas um livrinho lançado, de forma que, ver minha inspiração usada por uma pessoa tão poderosa e conhecida na mídia foi até motivo de orgulho.
Bem, mas este não é o tema de hoje.
 
O que eu quero falar é sobre a questão da inspiração. Ela vem das profundezas da gente, de algum território sobre o qual não temos domínio.
Ela nasce assim do nada: você pode estar conversando com alguém e de repente, do assunto, nasce a bendita. Você pode estar fazendo a sua caminhada e ela aparece na hora que você não tem um mísero pedacinho de papel para anotar ao menos a idéia essencial.
Ela pode vir de madrugada e fazer você se levantar para escrever (estas são as mais profundas e viscerais), o que me leva a crer que a inspiração se liga a alguma parte secreta do nosso ser, aquilo que talvez repouse no nosso insconsciente.
 
Ela nasce torrencialmente quando estamos amando ou apaixonados. Ela jorra substancialmente quando estamos sofrendo por amor, e viram profundas preces quando estamos em tempos de provação. Nestes casos, ela quase sempre assume as vestes de poesia. Eu já dizia num pensamento antigo: o que é a poesia senão o excedente de sentimentos que, de tão fortes, não couberam dentro do coração?
 
Muitas vezes ela nos abandona por completo. A gente chega a pensar: fim de carreira, chegou a hora de pendurar a chuteira. Não é bem assim.
O que acontece é que as contingências do dia-a-dia estão a nos solicitar em tempo integral, afinal, quem consegue escrever com panela no fogo, filhos chegando para almoçar nos horários mais diferentes, finanças para administrar, empregada nos chamando de 5 em 5 minutos, ou ao som de pesados rocks tocando no quarto da frente, e de ferraris combustas soando a toda, no computador dos fundos? Impossível. Humanamente impossível.
Mas daí a rotina se estabelece e a gente acaba reencontrando alguns momentos de serena calma e quietude, condições essenciais para todo escritor(a).
 
No meu caso, quando estou apaixonada, escrevo poemas de amor e pelo tempo imenso que não escrevo poesias, dou-me conta que também já faz um tempo imenso que não me apaixono. Olha só que constatação!
Na fase que antecedeu a esta, eu escrevi muitas preces. Estava em provação das bravas.
Muitas delas eu editei e outras jamais serão editadas. São lamentos profundos como os Salmos de Davi, guardados em cadernos a perder de vista dentro do meu armário.
Confesso a vocês: não fora pela escrita eu, de há muito, seria hóspede do Bairral em Itapira.
 
Agora estou serena e racional e quando estou assim só nascem crônicas,  mas ... cá entre nós, ando doida pra escrever poesias de amor:  um amor profundo e visceral como aquele que senti quando escrevi "Declaração de Amor". Que ebulição de sentimentos!!!
 
Mas se assim não for, vamos de crônica mesmo.
Não importa de que modo se vai.
O mais importante é ir e não empacar!
(E que meus bondosos leitores possam me aturar)
 
Descalvado - SP
26.09.2008