Pesos e Medidas
No caminho para casa, às vezes me assalta uma preocupação que se mostra mais eficiente que a maioria dos bandidos da cidade. Me assalta um medo meio aleijado, um tanto manco, que me persegue persistente e irritante, apesar da dificuldade em seu claudicante andar. Algo que nunca me alcança, mas tampouco me deixa em paz. Consigo ouvi-lo por cima dos sons do trânsito e do conversar das pessoas. É o som da areia caindo, de minutos indo embora e não voltando mais. Tento em vão segurá-los, impedir sua partida até o momento em que desisto, revoltado. Nessa hora só desejo que vão com Deus, e o diabo que os carregue...
A poder de música, consigo negociar alguns sorrisos internos e alguma satisfação um tanto diluída, mas ainda assim genuína. Procuro exercitar minha capacidade de alternar importâncias, e penso no cara que desmanchou o noivado perto do casamento. A noiva, tomada de assalto pelo ódio movido a essas paixões irracionais, tão comuns em nosso tempo. Traçou o plano junto à madrasta e ao padrasto, esse último um estereótipo ambulante, o típico policial-corrupto-carioca (tudo junto, por serem conceitos cada vez mais indissociáveis, infelizmente): a morte do rapaz. Que escapou com vida, mas não antes de tornar-se um alvo móvel, e ganhar alguns buracos de bala pelo corpo. Há também o fato de antes disso, o rapaz ter sido mantido em cativeiro e apanhado durante sete horas. E de conseguir escapar, fugir aos tropeções, se jogar em um valão e fingir-se de morto.
Eis que de repente minha volta pra casa adquire novos ares, a música consegue animar meu espírito mais e mais, e até mesmo as plataformas de petróleo tediosamente dispostas pela baía adquirem os ares poéticos de uma singela letra de bossa nova. Tudo é uma questão de perspecitva, não é mesmo?