Tempo dez
Nos oito meses em que fiz parte da estafante rotina de um jornal diário, em Araraquara-SP, há exatos dez anos, vivi momentos especiais na função de repórter e redator. Em meio à pauta cotidiana, que me destinava matérias dos mais variados enfoques (do político ao policial), pude estar à frente de um projeto que vi nascer: um caderno dominical voltado exclusivamente para a Terceira Idade.
Quando fui solicitado pela editora-chefe para tocar aquela empreitada pioneira na cidade e na região, pensei que lidaria com o desafio de abordar os problemas vividos pelos idosos locais e do Brasil, como um todo. Para minha surpresa e satisfação, ela queria exatamente o oposto. O suplemento semanal de duas páginas no formato stander enfocaria o idoso, sim, mas em seus aspectos mais positivos e menos vistos por uma sociedade que teme envelhecer mais do que tudo.
Decidida a linha editorial do caderno, faltava escolher um nome adequado para ele. Muitas sugestões depois e chegamos ao consenso de que queríamos falar de um período da vida em que o ser humano chega ao seu ponto máximo de poder se tornar um ser sublime. Queríamos ainda falar da real possibilidade de alguém na Terceira Idade possuir espírito e atitudes mais joviais do que os próprios jovens. E, finalmente, queríamos que a palavra “tempo” não significasse uma agonia para quem, cronologicamente, cada vez mais o tem menos.
Dessa expectativa surgiu o nome “Tempo Dez”, numa clara referência à gíria “é dez”, que se espalhou entre os adolescentes da segunda metade da década de 90. Queríamos exatamente isso: mostrar que a Terceira Idade pode ser um tempo dez para os que sabem envelhecer com sabedoria. E nas mais de vinte edições em que fiquei responsável pela pauta, pelas reportagens e pelos textos finais pude conhecer idosos de corpo que não ficaram velhos de espírito.
Entrei em ônibus de excursões organizadas para este público, onde casados, divorciados e viúvos pareciam adolescentes diante da primeira viagem em grupo. Participei de festas em que a noite era uma criança e as queixas de cansaço ficavam para os filhos e netos presentes. Entrevistei verdadeiros personagens de livros de auto-ajuda, pessoas capazes de transmitir coragem e otimismo em suas histórias de vida tão cheias de obstáculos.
Muitas vezes durante as reportagens me senti envergonhado de fazer parte de uma cultura ocidental que enxerga o idoso com impaciência, desrespeito ou mesmo pena. Nisto somos praticamente o oposto de muitos povos orientais, para os quais envelhecer é chegar à fase da sabedoria, da experiência, dos bons ensinamentos.
Há alguns, a novela global Mulheres Apaixonadas trouxe à tona um tema que deve ser absolutamente cotidiano em toda parte: o desrespeito e a agressão aos idosos, a começar pela própria família. Naquela obra de ficção a personagem da atriz Regiane Alves humilhava de todas as formas os avós. Na vida real, o problema se agravou tanto que há alguns anos surgiram delegacias especializadas em crimes contra a Terceira Idade.
E ainda há quem encha a boca para dizer que o Brasil é o país do futuro. Se cada nova geração de crianças e adolescentes tratar os idosos como trata os cadernos escolares do ano anterior, seu futuro coincidirá com uma velhice ainda mais marcada pela solidão, pelo abandono e pelo desdém. Quiçá eu venha a ter o privilégio de chegar aos 80 anos com a lucidez, com o bom humor e com a leveza espiritual que meu pai chegou (ele partiu em 9 de outubro de 2003, aos 79 anos, em seu auge como ser humano). De qualquer forma, sinto-me privilegiado já agora por enxergá-lo assim.