O universo verde

O lago penetra no mato. As grandes árvores, rodeando-o, as árvores menores, a mata fechada, ao fundo, estão dentro d’água, refletidos. O alto céu azul dentro do lago verde. O silêncio dos pássaros, colorido, que se transforma em música. As diminutas notas compõem a sinfonia da água e das árvores.

É como se o lago quisesse se elevar, até ao céu, que descansa sossegado dentro do lago. Nossos pés pisam a grama úmida. Suavidade verde de vegetação e pássaros e água. Sombra doce sobe-nos pelos pés, entra-nos pelos olhos, pelos poros, pelo olfato, absorve-nos o corpo todo.

As árvores, o céu, mergulhados no lago, que nos mergulha nos olhos. Dançamos, estáticos, extasiados, com o silêncio e a música de seiva verde.

***

O telhado caía abrupto; ondeava-se aqui e além, que era muito longo, uma só água abraçando toda a casa; e, de repente, caía. Flores e folhas, ramas e mais ramas pendiam do telhado.

Quem olhasse de fora, não veria a casa; afogada na folhagem, a casa era esse verde, que parecia tragar quem chegava. Quem olhasse de dentro, não veria o mundo exterior; o mundo todo era envolvido por um útero verde; nascer, nem sonhar: o ninho, o útero, a paz, ali dentro.

Chão de terra batida, paredes de pau-a-pique, uma e outra rede, panelas dependuradas nos mourões, na cozinha, um fogo muito fraco no fogão, a fumaça ardendo nos olhos, enegrecendo as telhas velhinhas, e fora, ali, além das pequenas janelas, o verde envolvente, querendo penetrar, dominando, sufocando, com carícia de útero materno.

Tudo era o verde; tudo era o telhado; o mundo não existia.

***

O rio entra na terra, numa curva, formando um pequeno remanso. Umas poucas árvores, desgalhadas, deixam uma sombra esparsa. O pouco capim verde e o capim queimado do sol, da seca.

Os arvoredos à beira d’água, o seu reflexo verde. O cavalo aproxima-se devagar: não vá turvar a água limpa, tão clara. Alonga o pescoço, o focinho. É um ato quase religioso.

Os arvoredos na água: o cavalo é verde, refletido na água verde. Há uma cerca de arame farpado: que ninguém se aproxime do cavalo. O universo mesmo parou por um instante: imperceptível, um cavalo bebe água.

***

As paredes eram pedras e eram grossas, fortes, muito grossas e muito fortes: carregavam árvores dentro, os troncos e as raízes, como matronas sentadas nas janelas, com os braços e as pernas abraçando as paredes, entrando nas paredes, como se fossem um corpo só, as paredes, os troncos e as raízes.

A luz do sol batia nas paredes do fundo, onde outras árvores cresciam, e as paredes eram verdes da seiva verde nas veias, e projetavam suas sombras doces no chão de terra. A casa não tinha telhado, era só paredes, mas pouco sol penetrava, e aqui, ali, respeitoso. O mais eram sombras, doces e verdes, como as raízes e os troncos.

Aquilo já não era uma casa: era a natureza. Aquilo não eram pedras pesadas: eram suaves corpos de árvores brotando da terra e irmanando as pedras, que eram a casa, à terra. Você abraçaria, não as pedras, as paredes frias, mas pernas e braços e mãos femininas, vivas, sensuais, em que aquela ruína se tinha tornado, com seiva, com sangue dentro.