O Violão de Estimação

Em 1990, Rodrigo foi trabalhar em Portugal, fazendo shows – Cantos Brasis - em várias cidades, compondo o trio com Sérgio Passos e Kiko Lara, durante onze meses, e voltando ao Brasil, preservou, com carinho, as muitas amizades conquistadas no país luso.

Decorridos cinco anos, a saudade apertou e eis Rodrigo de volta para rever os amigos, permanecendo três meses na bela Évora.

Um dia, recebeu um telefonema da amiga Paula, que morava em Amareleja, cidade próxima da Espanha, convidando-o para fazer um show no Bar Bagdá – tipo Pub- com músicas brasileiras, como já havia feito em sua passagem anterior por Portugal. Impossível recusar tão amável convite, mas como estava a passeio, não havia levado o violão. Conseguir persuadir seu grande amigo português a emprestar-lhe o violão foi uma tarefa difícil. Chico Fialho argumentou que o instrumento era de grande estimação, fora feito artesanalmente, sob medida, nenhum dinheiro pagaria aquela relíquia, era parte de sua vida. Mas depois de uma ladainha de recomendações, já estava Rodrigo de posse do violão. Tomou o ônibus para Amareleja, viagem que já fizera, de carro, alguns anos atrás.

O motorista dirigiu-lhe a palavra, mas Rodrigo não se esforçou em entender e não deu devida importância a suas palavras, julgando ser alguma recomendação sem maiores pertinências.

Ao chegar na pequena cidade de Reguengos, o motorista avisou que estava na hora da baldeação, mas Rodrigo, com o fone de ouvido, não percebeu o conteúdo da informação. Muitos desceram, alguns ficaram e outros entraram. A viagem seguiu e, depois de um certo tempo, a paisagem pareceu-lhe estranha. A estrada foi ficando cada vez mais estreita, passando por aldeia de lavradores. –“Será que é alguma variante ou algum atalho por mim desconhecido?” matutava ele.

Resolveu falar com o motorista, que se justificou, percebendo ser Rodrigo um turista. Ele dera o aviso da baldeação e como não houve reação, tocou em frente. Mas prontificou-se a ajudá-lo. Ao cruzarem com o primeiro ônibus, ele fez sinal e disse ao motorista para levá-lo de volta até Reguengos.

Descendo do ônibus, ouviu alguém dizer lá dentro: - “pelo menos este se safou!” expressão muito usada pelos portugueses, que significa: resolveu o seu problema!

Já fazendo o retorno, Rodrigo sentiu uma sensação bem estranha que o incomodava bastante. Percebeu, logo depois, que era a falta do violão que ele esquecera de pegar dentro do outro ônibus, no bagageiro de cima! Aí ele realmente desorientou-se. Teria que salvá-lo a qualquer preço!

Correu ao motorista e expôs a sua aflição. Novamente desceu do ônibus numa aldeia chamada Cabeça de Carneiro. Saiu à procura de um táxi. Com a maior alegria, avistou um carro preto parado em frente a uma casa. Na época, em Portugal, todo táxi era preto. Cheio de confiança bateu na porta e foi atendido por uma boa senhora:

- “Ih, meu filho, este carro está estacionado em minha porta faz muito tempo. O dono nem mora mais aqui! Mas tem um outro taxista na aldeia. O dono do bar tem um irmão que faz estas corridas.”

Sem dificuldade, Rodrigo localizou o bar, onde encontrou o proprietário servindo chope para três lavradores. Com o coração exaltado, já chegou pedindo que, pelo amor de Deus, lhe arranjasse um táxi, porque precisava recuperar um violão esquecido no ônibus. “Só se fosse no dia seguinte, pois o mano havia viajado a serviço”. Sua desolação foi tão notória que os três lavradores entraram na conversa e se prontificaram a ajudá-lo. Quando caiu em si, já estava em viagem com três desconhecidos. Seja o que Deus quiser, pensou, quase em voz alta!

Foi então que eles resolveram puxar prosa e contaram que também eram músicos e compositores. E, durante a viagem, Rodrigo foi ouvindo, através da gravação em fita cassete, algumas criações musicais de seus novos colegas de profissão.

Finalmente chegaram em Aljustrel, onde numa pracinha encontraram o ônibus, mas o motorista, segundo as más línguas, estava na casa da filial. Em lugar pequeno, as pessoas dão notícias de tudo e de todos. Ainda bem, porque foi sua salvação. Rodrigo esperou-o se aprontar e, finalmente, pôs as mãos no violão que, indiferente à aflição de Rodrigo, achava-se no mesmo lugar onde havia sido deixado.

Para chegar à Amareleja, teve que contar novamente com a boa vontade de seus três salvadores. Pagou-lhes a gasolina e, depois de percorrer mais ou menos uns 80 km, reviu sua amiga que se descabelava, ciente estava de que Rodrigo não cumpriria o compromisso!

Foi com muita satisfação que Rodrigo mandou servir uísque e um delicioso jantar para aqueles que lhe prestaram socorro e um grande serviço.

E a noite tornou-se pequena para o show no Bar Bagdá!

“Deus existe!” suspirou Rodrigo!

fernanda araujo
Enviado por fernanda araujo em 26/02/2006
Reeditado em 04/06/2010
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