A derrota também ensina
Os Jogos Olímpicos de Pequim chegam ao seu final no próximo domingo. É bem provável que boa parte do povo brasileiro tenha achado desprezível o desempenho da maioria dos nossos atletas.
É até compreensível que se pense assim, já que a leitura de mundo que prevalece em nossa nação verde-e-amarela é a imediatista, aquela resultante de expectativas emocionais e sem muito fundamento lógico e prático. É normal que nossos atletas não tragam muitas medalhas, até porque a nossa tradição em modalidades esportivas com muitas disputas é quase nula se nos compararmos a dezenas de outros países que investem pesado em educação, esporte e arte.
Temos inúmeros talentos individuais em diversas áreas do conhecimento humano. Contamos, por exemplo, com escritores, artistas e atletas do passado e do presente, dos quais temos muito a nos orgulhar. No entanto, a nossa evolução coletiva é ainda lenta e cheia de falhas. Para isso não há qualquer saída a curto prazo, muito menos soluções mágicas ou milagrosas. Devemos aceitar o fato de que o nosso atual estágio sócio-cultural não nos permite pular degraus, passar à frente de outros povos que conseguiram vencer seus obstáculos para se tornarem melhores do que foram um dia.
Há exatos quatro anos, logo após o término das Olimpíadas de Atenas, o articulista Diogo Mainardi, da revista Veja, escreveu um texto intitulado “As Olimpíadas do Pateta”. Na oportunidade, ele comentava sobre a participação dos brasileiros no evento sediado em terras gregas. Conhecido por dizer o que pensa, ainda que isso desagrade e magoe a quem quer que seja, ele chega a ser cruel no seguinte trecho: “o dever dos atletas brasileiros é perder. Perder sempre. Preferivelmente, de maneira espalhafatosa, tropeçando nos obstáculos e se esborrachando na pista”.
Depois de “morder”, Mainardi dá um jeito de “assoprar”, justificando que existem as chamadas virtudes cívicas da derrota. Para ele, a derrota dos atletas brasileiros – de preferência de forma vergonhosa – é uma maneira da nação verde e amarela perceber o quanto tem que caminhar para merecer as vitórias de seus representantes. Para ilustrar esta linha de raciocínio, ele cita um clássico dos desenhos animados de Walt Disney – “Campeão Olímpico”, estrelado pela personagem Pateta. No filme, o amigo de Mickey Mouse se apresenta como o exemplo do anti-atleta, aquele que é motivo de risos, tamanha a falta de jeito com os esportes.
Lançado em 1942, no auge da Segunda Guerra Mundial, “Campeão Olímpico” foi uma espécie de crítica debochada ao ufanismo esportivo presente na propaganda nazista de Hitler sobre o que considerava a supremacia racial alemã, demonstrada nos Jogos Olímpicos de Berlim de 1932. Diogo Mainardi, numa comparação pouco contextualizada, a meu ver, tenta dizer que o pálido desempenho dos nossos atletas em eventos de alto nível, como as Olimpíadas, não condiz com a falsa idéia de povo vencedor que nossos governantes tentam propagandear.
Apesar do seu estilo “ácido” de escrever, concordo com o articulista da Veja que realmente há virtudes na derrota. Obviamente que não se trata de apontar o dedo e culpar os nossos representantes que voltaram sem medalhas. É olhar para a atuação deles e avaliar o quanto isso tem a ver com o nosso momento histórico enquanto nação. As derrotas dos atletas brasileiros em Pequim e em todas as olimpíadas que eles tenham participado são também de cada um de nós. O mesmo vale para as vitórias, para cada passo certo que damos na direção da cidadania, do desenvolvimento sustentável, da igualdade social, da escolha de nossos governantes...