IDENTIDADE EM CRISE
Quem leu minhas “Memórias da Infância” sabe quão difícil foi o caminho para que eu encontrasse minha identidade, assim como deve ter sido árdua a jornada de tantos outros que já venceram meio século ou mais de existência. Mas, quando tudo parece que está definido, não está, e a rotação continua. Achava que, depois de tantas páginas viradas, poucas mudanças ocorreriam ainda e que, ao menos, eu próprio me mantivesse igual, idêntico a mim mesmo, como dizia meu velho pai. Pois é, mas a partir de ontem à noite, quando iniciei pela Internet um processo de busca de documentos em Portugal, sinto que tudo recomeçou e já não mais garanto nem a identidade. Por pressão dos filhos, dei início a procedimentos para obter cidadania portuguesa, sendo que, nesta missão rocambolesca, deverei até mudar de nome. Não, não vou me chamar Joaquim nem Manoel. Aliás, Joaquim era o nome de meu bisavô materno, sendo que minha bisavó, naturalmente, chamava-se Joaquina. Coisas da inventividade lusitana. No prenome, nem teria muito a modificar, pois José me foi outorgado justamente em homenagem a meu avô português. A mudança pode parecer pequena, mas é inquietante. Ao invés de “Mattos”, deverei transformar-me em reles “de Matos”, isto se não tiver de suprimir o “de”, que sugere algum traço de nobreza perdida. “Matos”, como é o verdadeiro nome de família, não significa mais que floresta, conjunto de árvores, tipicamente cristão novo e vai me impingir nova identificação, especialmente a mim, único da família a ser hoje “Mattos” e não “de Mattos”. Como ficarão minhas dezenas de documentos, contratos, aplicações, FGTS, Carteira de Trabalho, Certificado Militar? E os livros que publiquei com outro nome? E meu diploma acadêmico, registro na OAB, os bilhetes de amor que já escrevi? Como será minha nova personalidade? Serei bom cidadão português, qual meu partido político, para que time torcerei? Espero, enfim, readaptar-me logo ao Brasil e que a mulher não me estranhe. Não, não pretendo usar bigode.