Inversão de valores

Há algum tempo, assistindo a um telejornal, vi uma notícia que me deixou estarrecido. O repórter que a apresentava, no entanto, abordava o assunto com a naturalidade de quem fala de qualquer trivialidade.

Não se tratava de mais uma reportagem sobre bala perdida, seqüestro-relâmpago ou corrupção no cenário político. Poderia até ser tamanha a banalidade que este tipo de assunto se transformou no Brasil e no mundo. Para não perder a deixa deste tema, vale lembrar que recentemente a Agência Federal de Comércio Exterior da Alemanha lançou um guia para executivos que vêm morar em nosso país. Chamado “Segurança no Brasil”, ele traz várias dicas para os alemães confrontarem a violência no cotidiano das nossas cidades, principalmente no Rio de Janeiro.

Voltando ao assunto, a notícia que assisti era de cunho esportivo e enfatizava o troca-troca de técnicos de futebol após o fim do Campeonato Brasileiro deste ano. Ressaltava que o então técnico do Atlético Mineiro – o ex-goleiro Emerson Leão – não aceitou ficar para a temporada seguinte porque seu salário seria reduzido de 300 para 150 mil mensais.

Fiquei pensando como os brasileiros normalmente costumam reagir a esse tipo de disparate, que tornou o futebol nacional e mundial uma vitrine para negócios e negociatas milionários. Sei que existem salários ainda mais astronômicos, como os de Ronaldo, Ronaldinho Gaúcho, Kaká e outros jogadores estrangeiros que não recordo os nomes.

Em meio à minha indignação silenciosa – que tem por base o fato do futebol ganhar tanto destaque no Brasil, em detrimento de áreas tão mais importantes – pensei numa outra notícia. Imaginem como a população reagiria se, de repente, visse na imprensa que um professor do Ensino Fundamental passaria a receber um salário de 15 mil reais; o do Ensino Médio, 20 mil reais; e o do Ensino Superior, 30 mil reais.

Sem qualquer referência a dados reais, tenho a opinião de que a maioria acharia um absurdo, um privilégio desmedido para a categoria. Sem dúvida, as cifras são exageradas para a nossa atual conjuntura sócio-econômica, mas servem como um parâmetro condizente com os verdadeiros absurdos que reinam no mundo do futebol – quase um universo paralelo no mercado de trabalho.

O que leva uma pessoa a achar normal um técnico de um time ganhar 300 mil reais por mês? O fato dos clubes serem privados? A paixão cega pelo futebol? A verdade é que a cultura em torno deste esporte deu a ele uma importância acima do normal. As cenas mostradas da torcida corintiana no dia do rebaixamento do time para a segunda divisão só costumam ser vistas em tragédias com muitas mortes, como os últimos acidentes aéreos registrados no país.

Infelizmente, no geral, os brasileiros têm coletivamente uma mentalidade tacanha; vivem uma espécie de inversão de valores. Só para se ter uma idéia, o povo costuma valorizar muito a cultura de massa, que envolve o futebol, novelas, programas de auditório e músicas da moda, em detrimento dos estudos, da literatura e mesmo de outros esportes menos populares. Tem o hábito de culpar governantes e políticos por nossas piores mazelas, mas, na verdade, é o seu ator principal.

Roberto Darte
Enviado por Roberto Darte em 15/08/2008
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