assim eu quereria minha última crônica
Nunca podemos descartar a metaliteratura e a intertextualidade. Os gregos sempre serviram de modelo para os romanos. O chamado “boom” da literatura hispano-americana, liderado por Borges, Cortázar, fez o caminho inverso - da colônia à metrópole - incentivando a chamada Literatura Contemporânea Espanhola. Cada nova criação literária é mexer, remexer e reremexer, se for necessário, no balaio de gatos. Aquela frase desgastada – Não há nada de novo na Literatura, tudo já foi dito antes lá pelos gregos. Um exemplo? “Gota D’água”, de Chico Buarque, “uma Medéia moderna e brasileira”, como Eduardo Francisco Alves nos aponta. Ou seja, o grande escritor está justamente expresso nessa capacidade de remodelar o que já foi dito. Como Chico Buarque fez em “Gota D’água”.
Há os que se valem da intertextualidade. É exatamente aí que quero me deter. “Assim eu quereria minha última crônica: que fosse pura como esse sorriso”. Assim fecha-se a crônica de Fernando Sabino. Sabemos, é claro, que na verdade ela abre-se assim. Esse final fica a martelar a mente do leitor. Um sorriso puro hoje em dia... Um sorriso hoje em dia...
Paremos pra pensar nos títulos do poema de Manuel Bandeira: “O último poema” e da crônica de Sabino: “A última crônica”. Bandeira inicia seu poema com o verso “assim eu quereria o meu último poema”. Sabino “fecha” sua crônica com um trecho quase análogo. Para Bandeira, esse último poema seria um poema que contivesse em perfeita harmonia as adversidades, as antíteses; o mais puro, as coisas despidas de nossa carga de valores. Em Sabino, o sorriso puro é oriundo de um pai que rompeu toda a vergonha, todo o preconceito, toda a impossibilidade de ser feliz; um sorriso como a “flor ainda desbotada ilude a polícia, rompe o asfalto” e fura “o tédio, o nojo e o ódio”.
Assim eu quereria minhas últimas palavras: prenhes de grandes escritores.