A contadora de histórias
Um dos sinais que indicam a chegada da maturidade é a troca dos ídolos pelas pessoas que realmente fazem parte de nossas vidas. Se na adolescência é absolutamente compreensível que se tenham artistas e nomes do esporte como referências de grandeza ou mesmo como modelos de vida, na fase adulta este comportamento chega a ser preocupante.
Os ídolos, por serem inatingíveis, muitas vezes levam as pessoas a criarem sobre eles imagens que não correspondem à realidade. Pior até: fazem com que muitos acreditem que eles são seres humanos melhores simplesmente porque gravaram um disco, escreveram um livro, jogaram em times de renomes ou simplesmente porque apareceram na TV. Será, por exemplo, que aqueles argentinos que, há alguns anos, fizeram vigília dia e noite em frente à clínica onde Maradona estava entre a vida e a morte fariam o mesmo por um amigo, por um parente próximo?
Trago hoje a certeza de que um escritor, um ator, um músico valem por suas obras, que podem ser lidas, ouvidas ou assistidas com muita admiração. Apenas isso. Qualquer esforço extra para vê-los/tê-los de perto não vale a pena, pois os passos nesta direção significam uma afirmação (consciente ou inconsciente) de que são superiores. E, de fato, não são.
Cada um deveria olhar para sua própria vida e encontrar aquelas pessoas (pais, filhos, irmãos, parentes, amigos) que realmente merecem ser observadas com atenção. Algumas são tão marcantes que é possível dizer, sem medo de errar, que muito do que somos devemos a elas.
Sinto-me presenteado por ter tantas pessoas em minha própria família, no meu rol de amigos, por quem nutro profundo respeito e admiração. Pessoas que são infinitamente mais significativas do que quaisquer nomes da música, da literatura ou do cinema que eu admire declaradamente.
Uma delas, infelizmente, partiu deste mundo em 2005. A minha tia Valda Moraes se foi aos 87 anos, praticamente anônima até mesmo para as novas gerações da minha cidade natal (Boa Nova-BA), onde ela passou toda a sua vida. Eu a tenho e sempre a terei como uma das principais responsáveis pela minha paixão por história, pelas memórias dos meus antepassados.
Tantas e tantas vezes deitei minha cabeça em seu colo para ouvir sua prosa contagiante, sua maneira impar de detalhar ambientes e pessoas. Seus comentários precisos traziam sempre uma pitada de humor refinado, mesmo tendo ela sido uma pessoa de pouco estudo formal (cursou até a quarta série do Ensino Fundamental).
Os últimos três anos de sua vida foram passados em cima de uma cama, num processo doloroso de definhamento. Neste período estive algumas vezes ao seu lado, não mais para ouvir seus casos e histórias, mas para, num silêncio quase incômodo, confirmar o quanto uma pessoa pode ser admirada, mesmo nos momentos em que está distante de seu auge.
Nenhum escritor me influenciou tanto quanto tia Valda. Nenhuma obra literária que pude ler ao longo da minha existência foi tão valorosa quanto os inúmeros relatos que tive o prazer de ouvir de sua voz. Lamento não tê-los gravado em áudio e vídeo. No entanto, sua partida consolidou a minha convicção de que devemos prestar mais atenção nos que estão do nosso lado, longe dos holofotes da fama, longe do estrelato inatingível.