Amigo é pra essas horas

Amigo é pra Essas Horas

Em 1962, oito professoras de Divinópolis atuávamos no Grupo Escolar “Princesa Isabel”, de Carmo do Cajuru. Era um vaivém diário, no ônibus do Luís Daldegan. A estrada ainda de chão, quando chovia, receava-se que o veículo não vencesse as subidas, pois dançava na lama. Mesmo assim, a viagem se revestia de alegria, todos tagarelavam animadamente, o tempo parecia passar mais rápido. Alguns solteiros e casados, colegas de viagem, trabalhavam na Coletoria Estadual. Surgiram daí vários namoricos e até dois casamentos. Eu começava carreira, com o contrato para um ano, sendo a mais nova do grupo. Depois, vim para Divinópolis, onde fui efetivada na função de professora. As outras ficaram lá por mais tempo, aguardando transferência.

Uma delas, a mais velha, chamada Elza, de trinta e poucos anos, morava no Porto Velho, tinha vida social intensa, não perdia bailes e outras festas mais badaladas. Entre os colegas de viagem, havia um, também mais velho, o Valter, morador do Porto Velho, que se entrosava bem com a Elza. Era comum haver troca-troca de lugares no ônibus, mas Elza e Valter raramente se separavam.

Numa segunda-feira, ela chegou muito eufórica, contando-nos o ocorrido no sábado anterior. Num grande baile no Divinópolis Clube, encontrou o Valter. A festa, animada, ela nem percebeu que suas companhias haviam ido embora. Ficou tarde. Como estava sozinha, o Valter, todo solícito, ofereceu-se para acompanhá-la. Ela agradeceu muito, a festa estava boa, ele poderia aproveitá-la mais. O Valter lembrou que amigo é pra essas horas, não ia deixá-la atravessar sozinha o perigoso viaduto. E lá foram os dois descendo a pé a Rua Goiás. A prosa ia animada. As ruas desertas. Elza não era de muitas rezas, mas estava tranquila, com um anjo bem visível ao seu lado.

Chegam ao velho viaduto, longo, mal iluminado. No meio dele, sobre a passagem do rio, sentem subir aquele friozinho E mais alguma coisa sobe - o álcool na cabeça! Andam mais juntinhos, longe do parapeito, mesmo porque o passeio era muito estreito. Na escuridão mais pareciam uma só pessoa que devagar passava pela ponte, devido ao incômodo que o salto alto provocava ao calo de um dos pés de Elza. Valter ofereceu-lhe o braço; talvez assim amenizasse a dor, com passadas mais suaves. Foi quando Elza percebeu que ele queria oferecer-lhe muito mais que um braço: um abraço e um beijaço. Ela correu? Ela ficou? Isto ela não nos contou. Habilmente, encaminhou o assunto para outra direção.

Publicada no Jornal Agora de 25 de julho de 2010

fernanda araujo
Enviado por fernanda araujo em 09/02/2006
Reeditado em 13/08/2010
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