passeio com Quintana pelos Cataventos

Dando uma incerta por Alegrete, topei com um sujeito super bonachão, ao que todos chamavam Mário Quintana. Estava ele com um livro em mãos – talvez um guia – lá fui eu no seu compasso. Deparei-me com a Rua dos Cataventos, onde 35 pontos de incomparável beleza levavam-nos e tiravam-nos do sonho, mesclavam ficção e realidade, faziam aflorar a mais bela nostálgica infância, nos defrontavam com a presença quase constante da morte, e davam-nos a certeza de sempre haver um amanhã.

Diante da primeira parada - para minha surpresa - alguém nos proclamava que escrevia diante da janela sempre em busca de nova descoberta. Depois viriam os pregões é certo, parece que estou vendo com os ouvidos: “Couves! Abacaxis! Cáquis! Melões! Era uma espécie de simbiose. Também sou da paisagem... nos leves dedos que me vão pintando!

Era longo o caminho. O tempo jogava com a gente. Nas noites, as estrelinhas cantam como grilos. Fui pego por essa aura e quase desfaleci. De dia, quando os meus olhos de manhã se abriram, talvez efeito da “noite” passada, não sei bem ao certo se essa se deu, algo intenso tomou-me. E os meus sapatos velhos refloriram.

Por oras me questionava sobre minha insanidade. Tudo era tão mágico. O ritmo das ruas nos convida. Vamos cair na multidão. É... simplesmente... a Vida! Estávamos nós no meio do povo, e uma voz vinha meio que em forma de desabafo: eu nada entendo da questão social, entre os Loucos, os Mortos e as Crianças, é lá que eu canto. Mas confessava estar preso à vida. Preocupava-se. Na minha rua há um menininho doente. Meu peito doía. O sofrimento que ele tem se evola... enquanto componho versos pra alminha boa do menino doente...

Cerro os olhos, a tarde cai, macia..., se é que cai realmente, meu coração dolorido, pensando, sempre, em outra cousa... Recordo ainda... E nada mais me importa... Aqueles dias de uma luz tão mansa que me deixavam, sempre, de lembrança, algum brinquedo novo à minha porta... Eu quero meus brinquedos novamente...(Eu também) Sou um pobre menino que envelheceu, um dia, de repente. Podem se espantar isso pouco nos importa, é a mesma ruazinha sossegada, depois do Circo já ter ido embora, mas eu sei chorar... Eu sei sofrer... Só isto! E desde cedo aprendi a sofrer devagarinho a minha infância triste! O choro pouco a pouco se extinguiu e este silêncio é feito de agonias.

Não virem os olhos agora. A Estranha Nau toda apinhada de meninos mortos, que espanto: é a Vida. Mas dentro da noite alguém cantou. Não foi nenhuma voz amada. A voz da morte que cantou.

O dia abriu seu pára-sol bordado, embora a tarde lembra um passarinho doente. Ah, se eu pudesse, eu pintava trezentos arco-íris nesse tristonho céu que nos encobre!

Ninguém há de arrancar a luz sagrada! Os ventos vêm e batem-me à janela, e chega a noite: Anda, vem dormir! Minha morte nasceu quando eu nasci.

Pra que partir? Sempre se chega, enfim...

Ah, meus velhos camaradas! Aonde foram vocês? Fiquei sozinho, vamos andando... nada mais existe! Eu que de longe venho perdido, bem junto com a rua o mundo acabava. Ninguém foi ver se era ou se não era.

Sou o meu próprio Frankenstein, mas serão todos felizes sem saber por quê... E eu fico a olhar o céu pela janela, sobre as águas tristonhas do Outro Mundo.

Volto ao palco. Rechinam meus sapatos rua em fora. É outono. O mal sagrado!Que remédio havia? Ir andando pela névoa lenta. Olhando inutilmente para a vida...

Quero é ficar com alguns poemas tortos, levarei comigo as madrugadas. E um dia a morte há de fitar com espanto... Meu camarada como ainda vive tanto.

jeferson bandeira
Enviado por jeferson bandeira em 18/07/2008
Reeditado em 13/08/2011
Código do texto: T1085923
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