sonho de voar
Os meninos vinham de todos os lados a desembocar naquela humilde casa com varanda. Carregavam nos olhos a doce traquinagem de moleque a arrastar os pés descalços. A cada um havia sido dada uma missão. E eles a encaravam com brio. A tesoura precisava sair da caixa de costura da mãe sem o menor sinal do pequeno furto. O tubo de cola, guardado ao lado do pote de lantejoulas, deveria ser minuciosamente trocado pelo tubo vazio. Como o papel de seda fosse o mais difícil de conseguir e de se driblar o questionamento dos pais, a tarefa era repartida respeitando a ordem dos meninos que estudavam na mesma sala. É lógico que sobrava para a professora as injúrias dos pais, que não admitiam a idéia de um trabalho assim para casa, e porque justo um trabalho com papel de seda. Missões e deveres cumpridos, era hora de dar ares ao espírito de liberdade dos meninos. Os gomos eram cortados, depois ligados. Como uma verdadeira mimosa aquela construção de papel se inflava. Os olhos se armavam como piratas na sede de desbravar outros mares. E lá ia o balão subindo sôfrego carregado de sonhos, fantasias e liberdade. "Cai, cai balão, cai, cai balão...". Era pura inocência. Embora escondêssemos de nossos pais. Naquele tempo de tantas privações, quando as fábulas, os contos de fadas não mais alimentavam nossos vôos precisávamos de outros artifícios. Mas juro: nunca causei um incêndio, queimei a casa de algo, mas não posso dizer o mesmo de olhos e corações. Os mais velhos q o digam.