" VAMOS BRINCAR DE NEVE? "
Cada louco com sua mania, é o que se costuma dizer. Não sou eu que vou duvidar. Nos lugares gélidos ou naqueles em que periodicamente faz muito frio, no ritual das estações do ano, o aconchego provoca sensações de gostosura, e a pessoa, em suas trincheiras térmicas, dá asas à imaginação. Uma nevasca que nos retém na quentura da casa, um temporal, uma geada, o Minuano soprando triste, insistente ou furioso, se, de um lado, nos tolhem a liberdade e a ação física, por outro, aguçam-nos o poder da fantasia e do sonho. Há quem deteste o inverno, mas o frio estimula a vida interior, a criatividade, a conversa pausada e amiga à beira do fogo-de-chão ou da lareira, com pinhão, amendoim, quentão, vinho tinto ou mate amargo. A água da chuva no telhado, nas plantas, nas vidraças costuma compor a música de fundo para a intimidade. Os flocos de neve, que até em Porto Alegre discretamente já caíram em 1984, são um energético para o espírito livre e solto, ainda que o ambiente possa restringir os movimentos - mas só por gripe, reumatismo ou preguiça. Não me assusto. Nem vou falar em pandemia, que é uma praga, mas passa. Nas noites frias de inverno, costumava me embolar na cama com os filhos pequenos, puxando os cobertores para proteger-nos da nevasca imaginária que ameaçava a ilha doméstica. O “Vamos brincar de neve” era um momento quentinho de união entre pai e filhos para enfrentar os horrores da natureza e para satisfazer as nossas necessidades de afeição. Na proteção escura sob as cobertas, dizia que a temperatura caia mais, que a neve aumentava, que tudo estava congelando, mas que nós, ali, ficaríamos a salvo. Dizíamos bobagens e dávamos gargalhadas. Lembro que fazia brincadeira parecida com meus irmãos pequenos, quando morávamos no interior. Engraçado é que, mesmo quando morei só, continuei a brincar solitariamente de neve, assistindo à TV no sofá da sala ou no reduto do leito. São loucuras que só um bom inverno pode fomentar, um "flash back", uma lembrança. Ou fantasia de aconchego fruto de uma cabeça abilolada, sei lá.
Você aí, sob um sol escaldante, com 40 graus à sombra, deve achar tudo isto uma grande tolice. Tome uma cerveja gelada e, depois, mergulhe no mar, salgue o corpo e se esbalde. Por estas bandas, aguardo sempre o uivo do vento, a chuva fria e, eventualmente, alguma ameaça de neve para puxar os cobertores pesados, contra tudo e contra todos, mas a favor dos que me cercam.