Mendigos e pedintes que parecem desesperados sempre cativam o público, que abre a carteira

Mendigos e pedintes que parecem desesperados sempre cativam o público, que abre a carteira

por Márcio de Ávila Rodrigues

[29/11/2024]

Pedidos de ajuda ou socorro financeiro certamente acompanham a humanidade por toda a sua história. Alguns são discretos, outros extremamente pungentes.

Mas eles não são obrigatoriamente autênticos ou sinceros, embora a maioria certamente o seja. Se a pobreza é antiga, a falsidade também é.

A caridade é outra característica antiga. Por razões religiosas ou, simplesmente, éticas, também acompanha a história da humanidade.

Há uma relação óbvia entre a força do apelo de quem pede ajuda e o volume doado por quem se sente tocado. Quem quer um bom volume de ajuda precisa dar uma alta carga dramática ao apelo. Necessite ou não, de fato, de todo o montante auferido.

Essa questão do apelo dramático, praticamente desesperador, ficou patente num caso que testemunhei recentemente. Foi no início do mês de novembro de 2024.

Local: bairro da Serra, Belo Horizonte. Era um dia normal da semana, na parte da manhã.

Num quarteirão tranquilo, uma voz masculina berrava pelo alto falante, em volume máximo, pedindo ajuda financeira para o tratamento urgente de um alegado câncer. O som vinha de um carro velho com dois homens dentro.

Usava como artifício a venda de doces, mas sugeria, insistentemente, alguma doação extra.

O apelo era insistente e dramático. O "locutor” falava sem parar sobre a doença, sobre os seus custos. Alternava com uma voz dramática, até chorou. Pedia para as pessoas saírem de seus apartamentos (na rua predomínam os prédios residenciais) e descerem para fazer a doação.

Citou várias vezes a chave pix. E não teve pudores para apontar algumas pessoas, de forma direta. “Você com a roupa tal, que está passando em frente, venha aqui para comprar nossos doces ". “A senhora de óculos que está na janela do prédio azul, por favor nos ajude!”.

A pressão intensa afetou os corações. Observei a cena por alguns minutos e foram várias as pessoas que saíram pelas portarias dos prédios e se dirigiam ao barulhento automóvel.

A faxineira do meu prédio foi lá, pagou 10 reais e até dispensou o docinho. Na maior credulidade, me contou que ficou com muita pena do homem que estava dentro do carro, que parecia paraplégico ou doente.

Depois o condutor arrancou o carro lentamente, mas o "locutor” insistiu que quem ainda quisesse fazer uma doação, poderia sinalizar que ele ia parar o carro.

Minha longa experiência de vida me fez acreditar que eu estava diante de uma peça teatral. Entre aspas.

Sobre o autor:

Márcio de Ávila Rodrigues nasceu em Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, Brasil, em 1954. Sua primeira formação universitária foi a medicina-veterinária, tendo se especializado no tratamento e treinamento de cavalos de corrida. Também atuou na área administrativa do turfe, principalmente como diretor de corridas do Jockey Club de Minas Gerais, e posteriormente seu presidente (a partir de 2018).

Começou a atuar no jornalismo aos 17 anos, assinando uma coluna sobre turfe no extinto Jornal de Minas (Belo Horizonte), onde também foi editor de esportes (exceto futebol). Também trabalhou na sucursal mineira do jornal O Globo.

Possui uma segunda formação universitária, em comunicação social, habilitação para jornalismo, também pela Universidade Federal de Minas Gerais, e atuou no setor de assessoria de imprensa.