A Rose, da família Jetson, seria a empregada doméstica ideal para as famílias modernas

A Rose, da família Jetson, seria a empregada doméstica ideal para as famílias modernas

Crônica de Márcio de Ávila Rodrigues

(redigido e publicado originalmente em novembro de 2011, editado, revisado e atualizado com as mudanças da legislação de 2013. Revisto em 2024, sem necessidade de atualizações.)

A minha geração se encantou, nos anos 1960/70, com os desenhos animados criados pela eficiente dupla de desenhistas-empresários William Hanna (1910-2001) e Joseph Barbera (1911-2006).

Entre suas incontáveis criações estavam duas famílias distanciadas, por milênios, dos tempos atuais: no passado (Flintstone) e no futuro (Jetson).

Os Flintstones viviam na Idade da Pedra: o pai Fred, a mãe Vilma e a filha Pedrita. Como coadjuvantes, havia a família de vizinhos-amigos: o pai Barney, a mãe Beth e o filho Bambam – o menino-malhação.

Segundo o padrão comportamental-familiar que a geração hippie tentou mudar nos anos 60 (mas apenas atenuou), cabia a Vilma e Beth as tarefas domésticas.

Já a família Jetson vive no ano 3000, mora em um prédio que parece uma nave espacial no alto de uma coluna metálica, tem um carro voador e é composta por um casal, uma filha adolescente, um filho-menino, um cachorro e uma empregada-robô, a Rose.

Rose é o sonho de consumo das famílias do nosso jovem século 21: uma empregada eficiente (seus sensores detectam qualquer poeirinha oculta e seu software, além de controlar todas as atividades domésticas ainda produz pratos apetitosos na cozinha) ...

... e barata: só come velhos parafusos, dispensa salário e obrigações trabalhistas e mora na casa da família sem incomodar jamais. E não ronca à noite.

Além de tudo isso, é discreta, até por não ter vida social própria: frio produto de alguma linha industrial, Rose não carrega influências de familiares, não tem amigos, não traz vestígios de traumas pregressos.

Até meados do século 20, o padrão da família brasileira era um casal que se unia na juventude (e, por isso mesmo, costumava comemorar outras bodas além da cinquentenária “de ouro”), muitos filhos e uma empregada que podia ser babá, ama-seca e governanta.

Esta geralmente era uma menina pobre, recrutada na cidade de origem da família, e passava a fazer parte dela; as que se casavam eram substituídas por outras de perfil semelhante.

Era um formato pós-escravocrata, não se pode negar, mas com aspectos positivos: a empregada tinha uma garantia – que frequentemente perdurava por toda a vida – de moradia e alimentação bem melhores do que nas humildes vilas do interior brasileiro.

E quando tinha filhos, muitas vezes eles recebiam proteção, um relativo tutoramento dos patrões, que lhes davam acesso ao estudo e a possibilidade de uma ascensão social improvável em ambientes pobres e incultos.

E os patrões conviviam com uma pessoa que, mesmo sem laços familiares, inspirava confiança e fazia indispensáveis trabalhos domésticos.

O padrão mudou; aliás, todos os padrões mudaram, pois nenhum outro momento da história da civilização humana experimentou tantas e tão rápidas mudanças, não só as tecnológicas quanto as comportamentais.

A população cresceu rápido demais, impulsionada, entre outros fatores, pela redução da mortalidade infantil e pelo avanço das técnicas médicas de redução da infertilidade.

Mas os núcleos familiares se apequenaram e as moradias também, sobrando pouco espaço para as empregadas, ainda necessárias.

E a antiga agregada-recrutada, que dividia com os patrões-padrinhos as mesmas lembranças do rincão de origem, foi substituída por mulheres sem vínculos, e agora a relação é de fingida tolerância, de vigia constante (até com câmeras), fechando os olhos aos inevitáveis roubos (“É o preço que se paga!”); e também de um medo constante de relacionamentos perigosos, além da preocupação com a Justiça do Trabalho.

E o novo formato, baseado em frias relações de trabalho – contratador versus contratado – sofreu um brusco golpe em 2013 com a aprovação da legislação que mexeu profundamente no registro trabalhista da categoria (o que inclui cozinheiro, governanta, babá, lavadeira, faxineiro, vigia, motorista particular, jardineiro, acompanhante de idosos).

Criou muitos direitos, praticamente fazendo uma equiparação com as demais profissões.

O aumento dos custos tende a acelerar as mudanças: para a limpeza das casas o formato que cresce é a contratação de diaristas, profissionais autônomas que, uma ou duas vezes por semana, fazem o seu trabalho e vão embora.

Mais adiante, a perspectiva é que as pessoas acompanhem o conhecido comportamento japonês de não sujar para não precisar limpar depois.

Já as babás, as antigas amas-secas, devem ser substituídas por empresas – berçários, creches e escolinhas precoces –, situação abominável para as antigas mães de família.

Mas o velho modelo não tem volta, a nova legislação foi a pá de cal e agora só resta esperar um sinal de luz da Tecnologia – com “T” maiúsculo sim, pois a progressiva dependência do ser humano atual com a ciência é tão grande que tende a parecer um certo misticismo.

E a população conta com a Tecnologia para executar, no futuro, todo o trabalho que já coube, integralmente, à empregada doméstica.

Sonha com um formato que resolva todos os problemas da moradia, sejam de ordem prática, social ou legal.

De preferência, ocupado por alguém bem semelhante à autômata Rose Jetson.

Sobre o autor:

Márcio de Ávila Rodrigues nasceu em Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, Brasil, em 1954. Sua primeira formação universitária foi a medicina-veterinária, tendo se especializado no tratamento e treinamento de cavalos de corrida. Também atuou na área administrativa do turfe, principalmente como diretor de corridas do Jockey Club de Minas Gerais, e posteriormente seu presidente (2018-19).

Começou a atuar no jornalismo aos 17 anos, assinando uma coluna sobre turfe no extinto Jornal de Minas (Belo Horizonte), onde também foi editor de esportes (exceto futebol). Também trabalhou na sucursal mineira do jornal O Globo.

Possui uma segunda formação universitária, em comunicação social, habilitação para jornalismo, também pela Universidade Federal de Minas Gerais, e atuou no setor de assessoria de imprensa.