DE VIDA, DE FINADOS E DE ESPERANÇA

Já fazem alguns anos que deixei de visitar cemitérios no chamado Dia de Finados. Antes, eu visitava por tradição e devoção, seguindo o costume dos meus pais e da convenção em geral. Atualmente, planejo a visita antes ou após este dia marcado de multidões, alvoroço e exploração comercial.. E quando por algum motivo não faço a visita, não me ocorre nenhum incômodo ou sentimento de remorso, pois não tenho como obrigação. Penso que a morada eterna mais preponderante dos nossos entes queridos são os lugares e ambientes os quais compartilhamos durante suas existências. E o ponto de referência culminante é a lembrança do que foi vivido e guardado na memória histórica dos sentimentos que eternamente preservamos.

Dois fatos preservo em meu imaginário:

 

No Cariri dos anos 60 a 70 no Distrito de Santa Fé, sítios Baixa do Maracujá, Santo Antônio e vizinhos (Crato), lembro-me que o grande encontro das pessoas da região acontecia uma vez por ano, no cemitério, no final da tarde até a meia noite. Muitas orações, novenas e terços diante das covas e jazigos dos parentes e amigos. As mulheres em sua reza, os homens a conversar e a beber entre uma oração e outra. Sem luz elétrica, a luz reproduzida por milhares de velas gerava aquele clarão da fé. O sagrado e o profano se misturavam e se complementavam naquele ambiente: a oração, a prosa, a bebida, os encontros, o namoro e muitas outras manifestações das gentes do lugar... Era vida vicejante em meio a saudade dos entes queridos...

 

Outra lembrança que guardo me remete ao tempo que fui vender flores, aqui em Fortaleza, no Dia de Finados. Um dileto amigo meu, famoso por sinal, havia entrado no ramo de produção de flores. Eu fui chamado a ser um colaborador na implantação e distribuição junto às floriculturas. Realizei o mapeamento e levantamento desse mercado a época. Na semana que antecedeu o Dia de Finados fui fazer a venda direta nos cemitérios, grande concorrência, sol causticante, consignação para os demais vendedores, pouca venda em vista do preço e variedade dos concorrentes e mais a apropriação dos melhores espaços por parte dos “floristas” experientes.

Foi uma experiência sofrível e trago comigo aquela imagem do comércio que explora a devoção do povo.

Como já pontuei, atualmente reservo outro dia para ir ao cemitério, com pouco fluxo de pessoas, mais sossêgo e isso ajuda na contemplação e reflexão diante do fenômeno e mistério que junta e separa Vida e Morte.

Assim, com a lembrança de minha mãe querida, Maria José, carinhosamente Lilita, dos meu pai José Sérgio e dos meus avós, me veio o desejo e a inspiração para escrever e compartilhar essa pequena grande memória. Bença Mãe! Bença Pai! Vocês vivem em nós! As mudanças de costumes, do tempo e das estações não afastam de nós a perspectiva da infinitude do amor que marcou a presença dos nossos entes queridos neste mundo. Eles deram origem as nossas vidas. Lembrar hoje da passagem dessas pessoas queridas é consolidar o amor eterno que dá sentido ao viver e ao morrer, ao chegar e ao partir, sabendo porque se nasce, porque se vive e porque se morre: o espírito vai ao encontro do renascimento. Finados seria, portanto, um portal, uma passagem, outra existência, o fechamento de um ciclo e a transformação da vida em outra dimensão.

Lembro-me ainda que, Especialmente, no dia 2 de novembro de 2020, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB, lançou uma ideia maravilhosa: que naquele ano, cada pessoa plantasse uma árvore ao invés de gerar aglomerações nos cemitérios, tendo em vista os riscos da pandemia da Covid-19. Naquele ano eu plantei uma muda. Essa ideia poderia virar uma tradição caso fosse estimulada em todo dia de finados. Com o tempo, o simbolismo da vida estaria representado nas milhares e milhões de árvores. Sem dúvida, seria uma grande ação de vida e esperança.

 

 

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