Atrevo-me. /Sobre heterónimos e noites Tertulianas)
O poeta e os heterónimos, a propósito de uma conversa Tertuliana.
O poeta é, talvez, um alquimista da alma, capaz de se fragmentar como um prisma que divide a luz em múltiplas cores. Os heterónimos, poderão ser as sombras dessas cores, ecos de vidas paralelas que dançam à margem do visível.
Sob o ponto de vista paranormal, imagino que o poeta pode até ser um médium de si mesmo, invocando entidades que existem não no mundo exterior, mas no labirinto metafísico do seu próprio espírito.
Imagina Fernando Pessoa como um "ocultista" literário, traçando círculos mágicos de palavras onde cada heterónimo é conjurado como uma presença autônoma.
E eis que surge
-Alberto Caeiro é a terra e o vento, um espírito elementar que rejeita o abstrato e se funde com o real.
Logo a segur, Ricardo Reis, por sua vez uma voz antiga, talvez uma reencarnação de um filósofo estóico, falando através do véu do tempo.
Não querendo ficar para trás, salta Álvaro de Campos, um fogo descontrolado, uma possessão pela energia da modernidade, enquanto que saindo do seu lugar, Bernardo Soares seria um espectro melancólico que vagueia pelas ruínas do eu.
Nestas relações, o poeta é ao mesmo tempo o criador e o receptáculo. Não só dando forma e voz às (suas) "entidades", mas também é atravessa(n)do(-se) por elas, como se cada heterónimo carregasse um fragmento do seu ser para um plano diferente de existência.
Será uma espécie de espiritismo literário, onde a mente do poeta é tanto o portal quanto o plano de convergência?
Pensando desta forma, poderia Pessoa ter sido não só (e apenas) um escritor, mas um arquiteto do invisível, um construtor de mundos onde o real e o imaginário colidem.
Pois..., é que a relação entre poeta e heterónimos transcende a simples criação literária; torna-se um ritual, uma evocação contínua do infinito que (n)os habita. Como um xamã urbano, ele transita entre as dimensões do eu, revelando-nos que somos, cada um de nós, multidões.
Será que é coisa de outro mundo?
Caminhemos!
Ruth Collaço
Ventos Sábios