Quando tudo teve um fim
Você e eu, nos encontros que os desencontros traziam, tínhamos um de frente ao outro, outra vez, naquela fim de tarde de outono no parque da cidade.
Com uma persona tão dona de si quanto você pode - ou conseguiu - criar, você dissertava à plateia toda, que era eu e talvez meia dúzia de garças que nadavam à beira do lago, sobre as chávenas de café do hotel mais antigo da cidade vizinha quando você me falou:
- Eu vou me casar.
Boquiaberto em alma, mas sereno em corpo, eu disse:
- Chávena de café? Que palavra curiosa você preferiu usar. Não me lembro de tê-la escutado antes na vida.
“Você me disse que não queria casar”, eu deveria ter dito.
- Acho que ainda é bastante comum em Portugal. Vovô sempre nos pedia um gole a mais de café, puro e sem açúcar, dessa forma.
“Café há de ser bebido assim: quente, puro e sem açúcar”, eu te disse.
“Eu queria entender um pouco mais dos motivos de você mudar tão rápido de ideia”, eu deveria ter dito.
E talvez se dissesse o que me entalava a garganta, você me falaria tudo o que eu sei, mas queria ouvir da tua boca.
“Eu acho que nem sempre é sobre ter certeza sobre o rumo que se vai tomar”, você me diria.
E eu te falaria sobre as inseguranças que senti quando você partiu. Foi extremamente doloroso perceber que, enquanto eu tentava te esquecer por necessidade e exaustão, do seu lado você fazia o mesmo por prazer.
“Então, casar era uma possibilidade pra você?”, eu deveria ter dito.
“Sim, mas talvez não contigo”, você me responderia.
E meu coração, já há muito devastado, tornaria a conhecer uma dor inédita para sofrer à recorrência.
“O problema era eu?”, eu precisava ter dito.
“Nunca foi”, você me falaria, por educação.
Pra você, eu bem sei, o problema sempre seria eu. No olhar do espelho, meus anos a menos de vida significavam a ti qualquer coisa como imaturidade, como desconhecimento de causa, como motivo de superioridade tua.
Você sempre me quis como o imaturo, mesmo sabendo que tudo o que eu tinha era você e que a verdadeira falta de comprometimento era tua.
Era mais fácil pra você, não olhando em meus olhos, me jurar amor verdadeiro enquanto traçava planos após tua prematura ida.
“Eu queria ter me casado com você”, eu deveria ter dito.
“Eu não aceitaria”, você poderia me dizer.
E doeria, eu sei, mas seria extremamente importante para eu traçar um rumo novo, em destino à superação.
Afinal, você nunca fez questão de fazer dar certo. O teu amor, meu bem, sempre me foi servido frio, coberto de um mel que - de tamanha doçura - traz desconforto aos lábios, ao coração e à alma.
Hoje eu sei que teu amor me foi servido em uma chávena que fere enquanto deveria servir; que humilha enquanto deveria acolher; que me mata enquanto deveria me renascer.