Anel de formatura.
A pedrinha retangular de esmeralda dava vida ao círculo de ouro que emoldurava o dedo anelar. Um anel verdadeiramente histórico e fruto de uma conquista retumbante.
O anel de formatura da minha mãe! Oferecido por um irmão amigo e muito generoso, o anel marcava um momento sublime naquele ano de 1952: minha mãe se formara professora pelo tradicional Colégio Caetano de Campos no centro de São Paulo. O mesmo espaço de Sérgio Buarque de Holanda e Cecília Meirelles.
Para minha mãe, proveniente do interiorzinho das Minas Gerais, filha de uma família humilde, estudar no Caetano de Campos era o ápice de todos os sonhos de uma família que, no final da II guerra, optou por se mudar para a Paulicéia para que todos os filhos estudassem.
E lá ia a menina Célia, sorridente, com seu uniforme tradicional. De vez em quando chegava a matar alguma aula de matemática para poder ler um pouco mais na biblioteca Mário de Andrade ali pertinho. E falava muito bem de todos os professores e contava animadamente detalhes das aulas. E como lia a minha mãe!!! O quanto ela me ensinou a ler e a contemplar as coisas lindas do mundo: uma árvore florida, a doçura do mar, o charme das ondas, a beleza das montanhas...ah, as montanhas de Minas são a mais pura e requintada poesia!
Em Santa Catarina passeei muito com ela também na grande Florianópolis contemplando as montanhas de Santo Amaro da Imperatriz. Lindíssima paisagem! Mas não tinham a exuberância e o encanto das montanhas de Minas e nem o céu delicadamente azul das Alterosas!!!
Em São Paulo a mãe viveu algumas décadas, sempre tecendo comentários saudosos e intensos de onde morava: o bairro da Cantareira, o Paraíso, depois o Cambuci. E sempre falou muito amorosamente dos tios, primos, sobrinhos e outros familiares, sobretudo do meu avô, pela sua sabedoria e presença. Os passeios, os cinemas, as cenas de São Paulo antigo sempre presentes nas conversas de qualquer dia da semana. Não tinha dia santo ou feriado, ela gostava de contar das suas idas ao cinema com a tia Tita e como ambas gostavam de dar boas risadas... mas a mãe sofreu demais. Um verdadeiro absurdo! Raras são as mulheres que suportam o que ela tolerou sem se desesperar. E nunca perdeu o sorriso, a inteligência, a sagacidade e o olhar verde às vezes brilhava.
O Alzheimer resolveu levar a minha mãe.
Parece que aquele anel nunca lhe saiu do dedo. O amor pela família sempre perdurou. Percebi tardiamente, só agora, nos últimos dias, que ela não comeu o que queria para que os filhos pudessem se fartar. Entendi como nunca o seu desespero para nunca ficar só.
E entendi que o eterno também morava nela.
Viva na Luz intensa e segue em paz, mãe, que a gente se encontra depois, conversa mais, se abraça e ri mais e vamos sustentar o que nos uniu sempre. E não vamos deixar a saudade virar dor, mas que deixe uma pequena amostra de uma vida cheia de desafios, obstáculos, valores e perseverança.
Que os anjos te aplaudam de pé, mãe!