AS DUAS CARAS DO SERTÃO
AS DUAS CARAS
DO
SERTÃO
LITERATURA DE
CORDEL
Roberto Coutinho da Motta
( Bob Motta )
N A T A L - R N
2 0 0 3
O sertão tem duas cara,
a da sêca e a do inverno.
A da sêca é munto feia,
parece um sapo de terno.
Qui martrata o meu irmão,
e qui faiz do meu sertão,
uma filiá do inferno.
A cara da sêca é dura,
qui nem tôco de roçado.
Mostra os pé de pau sem fôia,
qui nem véio desdentado.
Mostra a terra encarrascada,
uis retirante na estrada,
chorando disisperado.
Pé de pau nú, sem fôiage,
máiva branca e maimelêro,
aruêra retrucida,
num tem um cipó linhêro.
Pau d’arco, acácia amarela,
minguando junto à favela,
assim cuma o pau-perêro.
Macambira muribunda,
o xique xique secando,
amostra uis cardêro murcho,
avelóis amarelando.
Pôca água e munto só,
cada dia mais pió,
e a terra esturricando.
Inté a madrugada é quente,
num tem uma gôta de orváio.
Uis patrão perdendo gado,
pôco oferece trabáio.
De verde lá, nem cumbuca;
só tem pano de sinuca,
e pena de papagaio.
Amostra os riacho sêco,
uis barrêro ressequido,
munta gente afragelada,
uis rebanho dirnutrido.
O disispêro cunsome,
uis pinhão passando fome,
sofrendo disiludido.
Amostra o home do campo,
sofrendo prá se lascá.
Cumendo o nada qui tem,
pru mode se alimentá.
Um caneco, uma quartinha,
uma quarta de farinha,
e macássa n’água e sá.
Amostra êle tangendo,
o jumentíin já cansado,
cum o caçuá nas costa,
chêi de xique xique assado.
Mode o gado num morrê,
o espíin queimado, cumê,
e tê o jijum quebrado.
E a queima de espíin ?
É de cortá coração!
Adispôi do espíin queimado,
o tronco vira ração.
O vaquêro, no cenáro,
vai chorando, solidáro,
cum a dor do seu patrão.
Êle, já sem cundição,
no banco, tá “pendurado”.
O dinhêro prá ração,
há munto já foi usado.
Muntas vêis o disispêro,
se apossa do fazendêro,
que chora desanimado.
É essa a cara da sêca,
que eu cunheço bem de perto.
Qui faiz o irmão sertanejo,
fugí sem tê rumo certo.
Um tempo de disatino,
em que o sertão nordestino,
vira quage um deserto.
Sufrimento e disispêro.
P’ro poeta popular,
são verbo que o sertanejo,
tá canso de cunjugá.
Pois já véve calejado,
e pru demais martratado,
só a Deus, pode apelá.
Porém, essa cara feia,
tende a se modificá.
Quando ais nuve carregada,
cumeça a se aproximá.
Elas qui traiz o recado,
qui o inverno abençoado,
tá bem pertíin de chegá.
E a cara do inverno ?
Essa é uma cara bunita.
Cumo a muié dui seu sonho,
c’um lindo laço de fita.
Lhe surrindo cum amô,
cum briantirmo e isprendô,
no seu vestido de xita.
Cara de noiva feliz,
no mais luxuoso hoté,
no dia do casamento,
rezando e fazendo fé.
Qui p’ro artá vai caminhando,
e a cada passo, sonhando,
c’a sua lua de mé.
Chega a chuva, móia a terra,
se veste a vegetação.
Uis açude toma água,
tudo é só sastisfação.
A chuva traiz a bonança,
munto sonho e esperança,
p’ro meu amado sertão.
Lá, meu fíi, uma gôta d’água,
lhe juro nos verso meus:
A natureza recebe,
nuis reseivatóro seus,
cuma se fôsse, in verdade,
uma lágrima de bondade,
qui cai dui zóio de Deus.
Se ara a terra p’ro roçado,
dispôi faiz a prantação.
Isso, pelo mêis de malço.
Nosso sertanejo, intão,
pranta o mío, fazendo fé,
no dia de São José,
mode cumê no São João.
Sertão cum inverno é festa!
Uis campo chêi de pastage.
Uis animá pinotando,
cumpreta a linda paisage.
Uis matuto, numa réca,
surrindo, joga suéca,
cunversando fulêrage.
E o amanhecê, meu fíi ?
P’ro cumpositô é tema.
Ôice os galo amiudando,
e o canto da sariema.
Ôice o bezerríin berrando,
e o anum branco cantando,
que é um verdadêro poema.
E a cabôca facêra ?
Do matuto, acende o facho.
Doida prá sê apaipada,
de riba inté lá em baixo.
E o cabra corre enxerido,
p’ro namôro improibido,
lá na bêra do riacho.
Lá na bêra do riacho,
o matuto logo “acunha”,
a cabôca num abraço,
cumo pega um tôro à unha.
Tendo pru cumpricidade,
somente a quilaridade,
do luá pru testemunha.
A terra, u’a noiva feliz,
qui se veste de beleza.
Cum a réiva e fulô do campo,
amostrando uma buniteza,
qui dêxa a gente sem fala,
cum o seu vestido de gala,
feito pela natureza.
O gado vai babujando,
vai afinando o cabelo.
Ais vaca dando mais leite,
parece um ispêio, o pelo.
Ais muié tudíin de véu,
agradece ao Pai do Céu,
mode o fim do dirmantelo.
Bãe na sangria do açude,
bãe de ríi, bãe de biquêra,
nais enchente dos riacho,
nais água dais cachuêra.
Sertão, é um favo de mel,
inspiração p’ro cordel,
e p’ros cantadô nais fêra.
Nuis roçado é só fartura!
Tem de tudo, é uma beleza.
Fome intonce, nem se fala.
No São João, foguêra acesa.
O sertanejo é quem diz;
surrindo, grita feliz:
Dá gosto vê minha mesa!
Assim muda o panorama,
muda o humô das pessoa.
Uis poeta tira verso,
uis violêro faiz loa.
Fica tudo mais bacana,
e nuis finá de sumana,
tem uma coisa munto boa.
Nais latada dos terrêro,
passa de bom prá mió.
Tem forró no chão batido,
inté o nascê do só.
Uis casá some no mato,
no maió ispaiafato,
dispôi tá só o coió.
Antes, no mêi do forró,
ajuntando os cumpanhêro,
lái vem o dono da casa,
cum seu cigarro brejêro.
Ajuntando cada nota,
êle vai fazendo a cota,
mode pagá o sanfonêro.
E o meu sertão castigado,
de alegria se veste.
Gente e bicho faiz amô,
de norte a sul, leste a oeste.
Êle tôdíin, pru intêro,
se transfóima, cumpanhêro,
num paraíso terrestre.
O sertão aí é mé!
Doce, qui nem uma uva.
Chega água nais rachadura,
do chão, qui nem uma luva.
Isso daí, seu dotô,
graças a Nosso Sinhô,
É O MILAGRE DA CHUVA.
Taí, intonce, ais duas cara,
qui amostrei cum exatidão.
A da sêca e a do inverno,
um oásis e um torrão.
Mermo assim, tão castigado,
querido sertão amado,
tu mora in meu coração...
Autor: Roberto Coutinho da Motta
Pseudônimo Literário: Bob Motta
Nasceu em Natal-RN, a 09 de agosto de 1948. É filho de João Francisco da Motta e de dona Severina Coutinho da Motta. Estudou no Externato Rogério Gurgel, Externato Saturnino e Colégio Marista, mas sua formação cultural, foi adquirida na Universidade do Roçado, na Região do Carirí paraibano, onde seu pai tinha suas propriedades rurais. Universidade, cujo reitor era e continua sendo o Magnífico Matuto, que nas pessoas de seu pai e de Júlio Preto (vaqueiro), lhe ensinou todos os costumes e tradições da terra e do seu povo. O poeta, que faz parte da Academia de Trovas do Rio Grande do Norte, da União Brasileira de Trovadores-Seção RN e do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, tem sete livros publicados e com este, vinte e um cordéis, sendo dezessete inéditos. Gravou um CD com as participações dos poetas Amazan e Manoel do Côco. Trabalhou fazendo parte da equipe do humorista Tom Cavalcante, de 05 Fev 99 a 05 Fev 2000, como redator free-lancer, com causos, poemas, paródias e piadas de sua autoria, para o comediante publicar no jornal Extra e apresentar nos seus shows. O autor, além de contador de causos, dá palestras em Colégios, Universidades e eventos diversos, sobre Literatura de Cordel, do Século XVI até os dias atuais e faz recitais de poesia matuta.
Endereço do autor: Rua Clementino de Faria, 2075
Morro Branco – CEP 59056-485 NATAL-RN.
Celular: (0XX84) 9965-6080