AUTO RETRATO
AUTO RETRATO
LITERATURA
DE
CORDEL
Roberto Coutinho da Motta
( Bob Motta )
N A T A L – R N
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Meu caro amigo leitor,
no verso, lhe dou uma pista.
Usando duas linguagens,
sem tirar onda de artista.
Na cultura porquê luto,
uso a fala do matuto,
e a do aluno do Marista.
Intonce, vô lhe dizê,
qui trago sem brincadêra,
prá voismicê, na bagage,
uma curtura verdadêra.
Da cidade e do sertão,
e essênça do povão;
é de raíz, de premêra.
Nascí na bêra da praia,
na cidade do Natá.
A cidade duis Reis Mago,
a capitá potiguá.
Meu pai butô eu, menino,
nais asa do meu destino,
e mandô êle avuá.
P’ro sertão paraibano,
pru meu pai, eu fui levado.
P’ro mêi dais quêima de espíin,
pega de jumento e gado.
Pru gostá tanto dalí,
pelo véio Carirí,
eu acabei adotado.
Dalí, tudo assimilei,
derna de munto criança.
O castigo e o prêmio,
a carênça e a bonança.
A alegria e a tristeza,
a feiura e a buniteza,
desespêro e esperança.
O Carirí paraibano,
é o campus que eu frequentei,
a maió Universidade,
pura quá eu me formei.
O vaquêro é o professô,
o matuto é o reitô,
duis quá sempre me orguiêi.
No Centro de Cunvivença,
aprindí dançá forró,
airmá fôjo, arapuca,
fazê quarto e airmá quixó.
A acordá de madrugada,
a fazê quêjo e quaiáda,
jogá suéca e bozó.
Aprindí fazê cabresto,
a tirá leite dais vaca,
butá amarra em chucáio,
no mato, airmá arataca.
Butá arreio em cavalo,
improvisá um badalo,
batê arame em estaca.
Aprindí a dirigí,
num caminhão carregado,
cum carôço de aigudão,
e torta prá dá ao gado.
A torrá café no caco,
chêrá rapé, qui é tabaco,
e andá no mato incórado.
A fazê leite ferrado,
tumá leite cum mastrúiz,
a fazê fubá de míi,
andá no escuro, sem luz.
A caçá durante a noite,
a sabê o qui é açôite,
fazê quarenta e cuscuiz.
Aprindí cavá cacimba,
a rapá quêjo no táxo,
a faxiá ribaçã,
matá rolinha no facho.
A amassá muié bunita,
no seu vistido de xita,
lá na bêra do riacho.
A aguá o salão,
d’um forró de chão batido.
Levantá cum garrafada,
um garrote dirnutrido.
Mostrá qui tenho corage,
mermo tando in disvantage,
me amostrando distimido.
A butá água in jumento,
a namorá na latada,
a chorá no disispêro,
a surrí na presepada.
Cumê xique xique assado,
tijuaçú, peba torrado,
e a corrê in vaquejada.
Transfóiumá in brincadêra,
a dureza do trabáio.
A cunhincê cada vaca,
pelo som do seu chucáio.
A rezá no amanhincê,
e a Jesus agradicê,
pru cada gôta de orváio.
A fazê fogo de trempe,
curá, tratá de bichêra,
serrá véio, rasgá juda,
uví cantadô nais fêra.
Me tremê de tanto fríi,
nais bêra de açude ô ríi,
brechando ais lavadêra.
A andá de carro de boi,
acordá cum a sariema,
a cunvivê cum a sêca,
um gravíssimo probrema.
A vê qui o hôme feliz,
é um eterno aprindiz,
e a fazê verso e poema.
A entrá num buraco iscuro,
cum a mineraláite in mão,
na pesquisa de schelita,
e uví o som do truvão.
Qui a truvuada é preciso,
qui transfóima in paraíso,
meu tão sufrido sertão.
Vê o bode pai de chiquêro,
a fazê istripulia.
Carnêro reprodutô,
c’as uvêia todo dia.
Pôico barrão namorando,
cururú feliz cantando,
a fazê amô c’a gia.
Foi nessa Universidade,
dotô, qui eu me graduêi.
Passo isso em palestra aos jovens,
do jeito que posso e sei.
Voltando aqui, afinal,
foi na Ribeira, em Natal,
onde eu me doutorei.
Ali, tive como Mestres,
noite ou dia, em sol a pino,
Zé Areia, Newton Navarro,
Roldão Botelho e Paulino.
Seu Olívio da Delícia,
Hernane Hugo da polícia,
Clóvis Motta e Zé Quirino.
Aulas com Mestre Cascudo,
no Beréu de Francisquinha.
Arpege, Plaza, Ideal,
Acapulco e Francesinha.
Fugindo para outra toca,
da Ribeira, ía p’rás Rocas,
rua São Pedro, inteirinha.
Também na Cidade Alta,
com a cultura a fluir,
tive aulas maravilhosas,
sério ou mesmo a sorrir.
Minha escola de maior fama,
era no Beco da Lama,
o Buteco do Nazir.
Um Doutor Honoris Causa,
da cultura do povão.
Ao falar dele, me orgulho,
lacrimejo de emoção.
Desse indivíduo, em verdade,
tem um mundão de saudade,
dentro do meu coração.
Outra Escola sem limites,
minha lembrança reedita.
Seus folguedos populares,
cada festa, mais bonita.
Esse eterno aprendiz,
também foi muito feliz,
lá no Bairro da Guarita.
Na calçada do curtume,
vizinho à Base Naval,
com seu Chimba e o Véio Fuleiro,
Valter Doido, coisa e tal.
Antes da droga, a Guarita,
era uma página bonita,
da História de Natal.
Na Festa de São José,
a antiga Capelinha,
que também era Escola,
era enfeitada todinha.
Era animação a mil,
João Redondo, Pastoril,
folguedo à noite inteirinha.
O meu bairro do Alecrim,
foi outra Escola importante.
Que acolheu este poeta,
um diminuto estudante.
Das Cinco Bocas prá frente,
meus amigos, minha gente,
não lhes esqueço um instante.
Figuraços populares,
de Caboté, lembro aqui.
Doutor Rossi, biriteiro,
Teimoso, a pescar sirí.
Com o finado Zé Aprígio,
bebí no Beco do Mijo,
que é a Rua Cabugí.
Com essa minha bagagem,
mostro que vivo a lutar,
vinte e quatro horas por dia,
levo a vida a versejar.
Faço isso, por muito amor,
prá manter viva, doutor,
a cultura popular.
Meu pai fez de mim um sujeito,
sincero, firme e leal.
Que aprendeu tudo com o povo,
na esfera cultural.
Como abelha pelo mel,
eu luto pelo cordel,
na cidade do Natal.
Dia, mês e ano a lutar,
juro com sinceridade:
Minha vida eu vou levando,
ciente, a bem da verdade,
que ajudo a preservar,
a cultura popular,
da nossa linda cidade.
Tenho prá mim, que esse poeta,
é ferrenho lutador.
O seu carinho me diz,
não é em vão, não senhor.
Versando ou contando causo,
agradece o seu aplauso,
Bob Motta, o Trovador...
Autor: Roberto Coutinho da Motta
Pseudônimo Literário: Bob Motta
Nasceu em Natal-RN, a 09 de agosto de 1948. É filho de João Francisco da Motta e de dona Severina Coutinho da Motta. Estudou no Externato Rogério Gurgel, no Externato Saturnino, Colégio Marista e no Instituto de Administração e gerência do Nordeste-IAGN, hoje FACEX, mas sua formação cultural, foi adquirida na Universidade do Roçado, no Carirí paraibano, onde seu pai tinha suas propriedades rurais. Universidade, cujo reitor era e continua sendo o Magnífico Matuto, que nas pessoas do seu pai e de Júlio Prêto (vaqueiro), lhe ensinou todos os costumes e tradições da terra e do seu povo. O poeta, que faz parte da Academia de Trovas do Rio Grande do Norte, tem sete livros publicados e com esse, vinte e oito cordéis, sendo vinte e três inéditos. Gravou um CD com as participações dos poetas Amazan e Manoel do Côco. Trabalhou fazendo parte da equipe do humorista Tom Cavalcante, de 05 de fev 99 a 05 fev 2000, como redator free lancer, com causos, poemas, paródias e piadas de sua autoria, para o comediante publicar no jornal Extra e apresentar nos seus shows. O autor, além de contador de estórias, dá palestras em Colégios, Universidades e encerramentos de eventos, sobre Literatura de Cordel, do Século XVI até os dias atuais, e faz recitais de poesia matuta.
Endereço do autor: Rua Clementino de Faria, 2075
Morro Branco – CEP 59056-485 NATAL-RN.
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