UM TRAPO DE GENTE
Lá em minha porta
Bateu uma criança
Que sem esperança
Pediu-me uma esmola
Olhei em seus olhos
Tristes e cansados
Os pés descalçados
E vazia a sacola.
Lhe dei uma esmola
Adiante seguiu
E outra vez se viu
Pedir novamente
E aquele mendigo
Que a sorte forjava
E ao léu andava
Também era gente.
Pedi que o chamasse
Sob o sol ardente
Voltou lentamente
Caminhando mal
Parou junto a mim
Eu lhe perguntei
Seu nome na lei
Porque estava assim.
Falei com carinho
A prole da rua
Sobra a sorte sua
E ele respondeu
Porque mendigava
Já quase chorando
Estou desertando
De onde eu morava.
Sem pais e sem mãe
Vivo neste mundo
Sou filho oriundo
Da periferia
Sou um pobre escravo
Da minha madrasta
Que tudo me castra
Me faz rebeldia.
Tenho só dez anos
Sou filho da zona
Da cama de lona
Ou mesmo do chão
Minha pobre mãe
Morreu do meu parto
Jogado num quarto
Eu fiquei sem pão.
Dali fui levado
Por uma madrinha
Que tudo o que tinha
Era resumido
Cuidou-me alguns anos
Ao nascer-me os dentes
Perdi novamente
O lar conhecido.
Fui dado a um parente
Da minha madrinha
Essa nunca vinha
Me dar um carinho
Vivendo com medo
Que eu sempre sentia
Ela me batia
Me deixava sozinho.
Eu fugi de casa
Por ocasião
Que queimou-se o feijão
Que eu cozinhava
E minha madrasta
Como prometesse
Se isso ocorresse
Ela me matava.
Fiquei comovido
Como o pobre mendigo
Triste sem abrigo
Sujo maltrapilho
O retrato vivo
Da realidade
Da sociedade
Que esqueceu seu filho.
Propus ao mendigo
A minha guarida
Bastante comida
Banho e cama quente
E falei pra ele
Que se o mesmo ficasse
E se acostumasse
Seria descente.
E ele a princípio
Me falou sem graça
Eu não sou da praça
Já fui convidado
Por um povo rico
À trabalhar em casa
E ter dinheiro e asa
Mas, fui enganado.
Tentei lhe explicar
Que não o contrataria
Que não trabalharia
Estava tentando
Lhe dar meu afeto
Carinho, paz e zêlo
Vendo o meu apelo
O pobre vil sorria.
Ficou alguns dias
No lar que eu lhe dera
Onde ali gozara
De minha guarida
Mas logo o destino
Lhe bateu a porta
Pra vivença torta
Levando o menino.
Chegou a madrasta
Daquela criança
Que cheio de esperança
Tentava viver
O levado consigo
O trapo de gente
Pra vida indecente
Voltando a sofrer.
Enquanto comigo
Amei do meu jeito
Apertei-o junto ao peito
Lhe fiz confiança
Dei paz prometida
Cama quente, comida
Lições para a vida
Brinquedo e bonança.
Hoje, vez por outra
Lhe vejo na rua
Vestes quase nuas
Tal cão desgarrado
Sem lar, sem escola
Sem educação
Dói-me o coração
Vê-lo assim jogado.
Espero que um dia
A vida que aguce
Num olhar debruce
Na prole da plebe
Que mal come e bebe
Sem teto e sem cama
Sem pão vive o drama
De ser maltratado.
Thiago Alves