Viúva da seca
Minha vida é um desafio
Cruzada de balas e socos
Casa simples bem distante
Rodeadas de muitos tocos
Pensamentos presos no lenço
Porque se sair ficam loucos
Marido não tenho mais
Morreu na mira do gatilho
Apostou no lucro do crime
Viu o trem sair do trilho
Deixando de herança pra mim
Uma casa cheia de filhos
Os menores choram de fome
Os maiores me fazem chorar
Meninos com má companheiros
Meninas não querem trabalhar
E assim vida que segue
Espero no que vai dar
Vivo do bolsa família
A renda do mês inteiro
Planto aqui um feijãozinho
Que cuido com muito zelo
Quando dá a barriga agradece
Quando perde é um pesadelo
As mãos cheias de calos
Os sonhos não me iludem
Ando quilômetros no sol
Buscando água no açude
Tenho muita fé em Deus
Para que sempre me ajude
Cumpro o papel de homem
Sei o que posso gastar
Sei bem da quantidade
Do querosene ao fubá
O fiado não conheço
Compro o que posso pagar
Meu nome é meu prestígio
Por isso preservo e zelo
Não tenho o que preciso
Mas luto pelo que quero
Se a fome aperta a barriga
Para um irmão eu apelo
O meu meio de transporte
É a velha jumenta Cigana
Que fica sempre amarrada
Perto da moita de cana
Para ir buscar a feira
Chegando o fim de semana
As vezes escuto piadas
Que passa despercebida
Vem cada conversa podre
Igual sardinha vencida
Mas homem só tive um
Durante toda minha vida
Só tenho o dia e a noite
E água pra pôr na cabaça
Os tormentos que a vida dá
Com Deus na frente ele passa
Derramo suor no chão
Porque nada vem de graça
Sou forte igual uma estaca
Igual o cabo de uma marreta
Ninguém me passa pra trás
Pois resolvo na espoleta
Resumidamente é assim
A vida da viúva da Seca...