O moinho de Dona Rita
O tempo foi testemunha
De histórias jamais contadas
Com pessoas não lembradas
Que nossa gente compunha
Hoje a lembrança rascunha
Na cartilha da memória
Quem viveu com tanta glória
Sendo amante da bondade
Com muita simplicidade
Existiu em minha história
Eu ainda era menino
Na pequena Cachoeira
De gente trabalhadeira
Como benção do destino
Conheci Rita Cezino
Nesse pequeno lugar
Sempre pronta pra ajudar
Com um riso tão fraterno
E um instinto materno
Que vale a pena lembrar
Dona Rita de grandeza
Mesmo sendo tão pequena
Com seu avental, serena.
Ofertava gentileza
Pois mesmo em meio a pobreza
De sua simples casinha
De taipa e bem baixinha
Era ali o seu cantinho
Onde tinha seu moinho
Instalado na cozinha
Moinhos de moer milho
Eram poucos no lugar
Para o cuscuz preparar
Tornava grande empecilho
Chegando a tirar o brilho
De quem moer precisava
Mas dona Rita ajudava
A quem a ela buscasse
Qualquer um que precisasse
E de seu ninguém cobrava
No meu pequeno lugar
Se vivia a comunhão
Como faz um bom cristão
Que o bem vem propagar
Me dar orgulho em lembrar
Dos dias de muita luta
Que moldou minha conduta
Ao fazer nossa comida
Pois assim foi nossa vida
Sempre envolto na labuta
Lembro mãe numa bacia
Botando um pouco de milho
Dizendo vem cá meu filho
Água morna me pedia
Para janta do outro dia
Deixava o milho de molho
E eu ficava de olho
Vendo os caroços incharem
E na bacia aumentarem
Igual lêndea de piolho
Quando o sol ia baixando
E eu voltava da escola
Não tinha jogo de bola
Mãe já tava me esperando
Saíamos caminhando
Pra casa de dona Rita
Com o seu pano de chita
Amarrado na cabeça
Que essa cena eu nunca esqueça
Por ser simples, mas bonita.
Ao chegar à residência
Lá na rua de Pelé
Ela coando o café
Com bastante competência
Repleta de paciência
O moinho organizava
Eu e mamãe convidava
Pra começar a moagem
E eu tomado de coragem
A moída começava
Mamãe os grãos colocando
Eu girando a manivela
Feito cena de novela
O milho ia quebrando
O moinho reclamando
Com um sonoro rangido
Bem ao pé do meu ouvido
Como quem conta o sofrer
Por tanto milho moer
E por ser tão esquecido
O velho moinho em cima
Duma tora de jurema
Confessava seu dilema
Conquistando a minha estima
Pois eu via bela rima
Naquela grande agonia
Junto a manivela eu via
As suas lágrimas de leite
Hoje para meu deleite
Sei que era só poesia
Aquele velho moinho
Era feito dona Rita
Pois a parte mais bonita
Floresceu no meu caminho
Livre de qualquer espinho
Só com flores de bonança
Onde o mundo de criança
Ensinou grande lição
Mantida no coração
E guardada na lembrança
Na calçada convidando
Tinha um banco de madeira
Onde vi Chico Pereira
Com seu Lídio proseando
Vendo Delfonso passando
Com o seu cesto de pinha
E Bastião e Carminha
A Zé Quixaba dizendo
Que amanhã sai vendendo
Grude e beiju de farinha
Ali eu testemunhei
Um amor dando manchete
De Luiz por Oziete
E jamais esquecerei
Da janela observei
O caboclo apaixonado
Lá no banco bem sentado
De longe olhando pra ela
Como faz um sentinela
Protegendo o ser amado
Ao terminar de moer
Mãe a massa peneirava
Já o xerém que sobrava
Tinha pinto pra comer
Com Liu sorrindo a dizer
Amanhã voltem de novo
Que bom é cuscuz com ovo
E a gente se despedia
Para voltar no outro dia
Muito grato aquele povo
Ao chegar em nossa casa
Mãe preparava o cuscuz
Com olhar cheio de luz
Dizendo hoje a janta atrasa
Eu assoprando uma brasa
Entre as cinzas do fogão
Com jeito e dedicação
Para o fogo acender
E preparar o comer
Que nos dar sustentação
Mãe em um prato surrado
O fubá ia Botando
E com um pano amarrando
Pra ficar bem apertado
À panela era levado
Com água já esquentando
Só no bafo cozinhando
Um pão de milho gostoso
O cuscuz mais saboroso
Que ainda vivo lembrando
Hoje minha poesia
Eterniza nossa gente
Mas não é suficiente
Porém assim me alivia
Pois sou grato todo dia
Dona Rita e seu moinho
Por cruzarem meu caminho
Em seu mundo me abrigado
E por terem me ensinado
Que ninguém está sozinho