UM SONHO CHAMADO BABALU

No tempo que a fome insana

Morava junto de mim,

Parecendo não ter fim,

Com sua força tirana

Presente toda semana,

Só me deixando sonhar

Com o bucho a roncar

Em trágica sinfonia,

A prova da covardia

Que me dói só de lembrar.

No meio de tanto sonho,

Fruto de extrema pobreza,

Tive a ingrata surpresa,

E revivê-la me ponho,

Disso não me envergonho,

Sei o quanto vai doer,

Lembrarei até morrer

Desse caso inusitado,

Onde fui um azalado,

Vítima do meu querer.

Quando tudo se acalmava,

Logo depois do jantar,

Eu me punha imaginar

Das coisas que eu desejava,

Dum comercial lembrava

Com meu desejo aguçando,

Na televisão passando

O bendito babalu,

Eu confesso aqui a tu,

Que eu dormia só pensando.

Sonhava em um dia achar

Ou receber de presente,

Mas como era um indigente

E não podia comprar,

Mesmo assim quis provar,

Sentir na boca o prazer,

Vendo o mel a escorrer

Como no comercial,

Ir do sonho pro real

Pra meu desejo viver.

De tanto que desejei

O universo conspirou,

Tal presente me mandou

Bem quase como sonhei,

Ao fim da aula escutei:

-Não deixe ninguém saber,

Um trato vamos fazer,

Quero um acordo com tu,

Te darei um babalu

Se fizer o meu dever.

Eita, fiquei flutuando,

Sem querer acreditar,

Comecei tremelicar

E fui logo confirmando,

Pois não tava acreditando:

-Amanhã te entrego pronto,

Porque nunca desaponto.

Matemática eu domino,

Confie no amigo Lino.

Já conte com esse ponto!

Corri pra casa ligeiro,

Para o trabalho fazer,

Ainda estava a tremer

E me sentindo maneiro,

Faria o dela primeiro

Com toda dedicação,

Regado pela emoção

De um sonho realizar

E o meu babalu chupar

Desfrutando a sensação.

Eu fiz tudo bem certinho,

Corrigi mais de uma vez

Com bastante lucidez

E muito amor e carinho,

Meti o pé no caminho,

Contente para entregar

E o meu babalu pegar,

Chega dava o goto seco,

Nos esbarramos num beco,

Pois já vinha me encontrar.

Assim que ela recebeu,

Me deixou meio frustrado:

-Vou pagar o combinado,

Mas vovó adoeceu

E por isso que ela esqueceu

De trazer o meu pedido,

Mas amanhã tá cumprido,

Não tenha nenhum receio,

Eu te entrego no Recreio

O seu prêmio merecido.

Eu disse: -não tem problema!

E fui pra casa feliz,

Saltando pelo que fiz,

Pelo ganho nesse esquema,

Destruindo meu dilema

Dum desejo alucinante,

Que me vinha a todo instante,

Sendo quase uma utopia,

Mas amanhã é o dia

E vai ser muito importante.

E quase que eu não dormia

Pensando como ia ser,

Demorou amanhecer,

A pressão me consumia,

Chega minha boca ardia

Imaginando o sabor,

Com cheiro, textura e cor

Deslizando entre meus dentes,

Testemunhas, confidentes

Dum sonho arrebatador.

Quando o dia amanheceu

Eu já estava de pé,

Antes mesmo do café,

Meu sorriso se estendeu,

Ninguém sequer percebeu

Eu tomado de alegria,

Envolto em grande euforia

Pra mastigar o bicho,

Atendendo meu capricho

Cultivado com magia.

Quando cheguei na escola

Ela disse: -hoje dá certo,

O intervalo tá perto,

Já está aqui na sacola.

Já me vi fazendo bola

Na minha imaginação,

E tomado de aflição

Pra sentir esse sabor,

Hoje serei provador

Do chiclete tentação.

Quando tocou pro recreio

Eu já tava me tremendo,

Mas fui pro pátio correndo

Enfrentando meu receio,

Queria sentir o recheio

E mascar a noite inteira.

Ela veio bem faceira

Pôs o bicho em minha mão,

Que me calei de emoção,

Deu logo uma suadeira.

Eu saí bem de mansinho

Pra ninguém pedir pedaço,

Já dando no bicho amasso

Naquele papel lisinho,

Fui abrir escondidinho,

Mas a minha mão tremeu,

Quando o saco se rompeu

O bicho caiu no chão,

Eu fiquei sem reação,

Chega a lágrima escorreu.

Um caba que ia passando

Foi pisando bem ligeiro,

E com um dito fuleiro

Dizendo estar me ajudando:

-Tem cachorro aqui mijando,

Você não pode pegar,

Se não vai se infectar

Comendo coisa do chão,

Tenha mais educação.

Pra que serve esse estudar?

Eu Fiquei paralisado,

Me sentindo um perdedor,

Sofrendo uma grande dor

Chorando, desconfiado,

Com o meu peito apertado,

Só pra o papel olhando,

De vez em quando beijando

Querendo sentir o gosto,

Pra adoçar o meu desgosto

Por ver meu sonho murchando.

-Babalu, seu bexiguento,

Fique na televisão,

Não venha para o sertão,

Outra dessa eu não aguento,

Evite meu sofrimento,

Sonhando em te devorar,

Em minha boca guardar,

Adoçando minha vida,

Que hoje se vê ferida

Desejando te provar.

Lino Sapo
Enviado por Lino Sapo em 09/08/2022
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