O GRITO DA GAMELEIRA
A semente mais sadia
Do fruto da Gameleira1
Jogada na ribanceira
Germinou com alegria
Cresceu, brotou, fez segredo.
Das coisas que viu passar
Deu sombra pra repousar
Viu coisas de fazer medo.
Ouvi o eco de um grito
De quase duzentos anos
Emitido por um mito
Sem ressalvas de engano
Usando como canal
A voz de um filho da terra
Soltando um grito de guerra
Na hora de um ritual.
A Gameleira gritou
No centenário da terra2
Como um animal que berra
Soltando um grito de dor
Com saudade de um passado
De um povo que teve garra
Que entre trabalho e farra
Seu nome foi elevado.
O grito da Gameleira
Na voz de Dr. Dedé2
Vibrou com força e com fé
Ecoou nas ribanceiras
Do Paraíba cansado
De correr léguas e léguas
O tempo não lhe deu tréguas
Mas não esquece o passado.
Reviveu desde a infância
Dos nossos antepassados
Relatou nossos pecados
E as virtudes da entrância
Acompanhados de perto
Pelo gigante frondoso
Que acolhe moço e idoso
Sempre de galhos abertos.
A Gameleira lembrou
Quando ainda era jovem
Seus galhos hoje mal se movem
Como um vento que passou
Para longe carregou
As folhas verdes rasgadas
Do livro das madrugadas
De suas noites de amor.
Tentou buscar a essência
Da platéia que a ouvia
A antiga burguesia
No auge da existência
O Primeiro Lava-Pés
Na fundação da Matriz
Que o povo era mais feliz
No tempo dos coronéis.
A Gameleira chorou
Lembrando o tempo da graça
Quando se conquistou taças
Que o tempo deu e tirou
Lembrou a bola de meia
Disputada nas peladas
Das tardes ensolaradas
No Rio em sua areia.
Falou das festas da terra
Festas profanas, e sagradas.
A mistura das camadas
Povos que desciam a serra
Missões de Frei Damião
E carnavais de panfletos
As retretas do Coreto
Pra Festa da Conceição.
A Gameleira falou
Dos vultos de sua história
Lutas de perdas e vitórias
Que o tempo não apagou
Manuscrito com tinteiro
Rabiscado na memória
Dos vultos na sua glória
Tal Marieta Medeiro.
A Gameleira lembrou
De um mariano de Fé
Do Círio de Nazaré
Orquestra que encantou
O povo numa só voz
Procissão de cavaleiros
Festa quase um mês inteiro
Na Igreja de Mororó3.
A Gameleira lembrou
Os políticos que marcaram
Que essas terras honraram
E a lembrança que ficou
De seus ensinos a seguir
Com sofrimento e afago
Lembrou Dr. Santiago
E o inesquecível Aglarir.
Com sua voz retumbando
Um outro brado saudoso
Num desenrolar garboso
Em timbre quase chorando
Falou de um vulto humano
Como ave condoreira
Exaltou José Silveira
Como homem soberano.
A Gameleira retrata
Fazendo uma exaltação
De doer no coração
Homem público por vontade
Gente de paz e sossego
A pessoa de Galego
Vulto de muita bondade.
O eco de uma trombeta
Muito remota se escuta
De um regente sem batuta
Que dominou a corneta
E muita taça ganhou
Num comando com clarins
Era como os querubins
O grande Cabo Totô.
A Gameleira mostrou
Como rápido o tempo passa
Lembrou a Maria Fumaça
No trem que o tempo levou
A Estação que ficava
Numa agitação intensa
Uma multidão imensa
Viajando com vigor.
Lembrou a feira de gado
Lá no Alto dos Currais4
Que se foi não volta mais
Já faz parte do passado
Um tempo saboreado
De tantas damas faceiras
Das grandes segundas-feiras
Do Carretel5 do passado.
A Gameleira encerrou
Com o embalar dos galhos
Chorando lágrimas de orvalho
Partindo a voz apelou
Pedindo ao povo da terra
Que lhe deixe na História
Não lhe tirando a memória
Nunca lhe usando a serra.
Disse assim a Gameleira
Em troca farei valer
A História renascer
Levantarei a bandeira
Dessa gente altaneira
Quando eu não mais vos vir
Tua prole há de saber
Dos fatos dessa ribeira.
Thiago Alves
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• 1 Árvore frondosa e gigantesca situada às margens do Rio Paraíba, próximo a Rua da Ponte em Itabaiana/PB.
• 2 Centenário da Cidade de Itabaiana/PB celebrado no ano de 1991.
• 3 Médico cirurgião, político, filho de Itabaiana/PB.
• 4 Avô materno desse autor, religioso mariano da Ordem Terceira de São Francisco de Assis, fundador da Igreja de Nossa Senhora de Nazaré em Itabaiana/PB, onde dos anos 50 aos anos 60 foi proprietário de cerca de 50% das casas da Rua Pe. Ibiapina e ali promovia todos os anos no mês de setembro uma festa que durava 30 dias dedicada a N. S. de Nazaré.
• 5 Bairro de Itabaiana/PB, próximo a Sede dos Trabalhadores.
• 6 Rua boêmia de Itabaiana/PB, onde havia famosos cabarés nos anos 50 e 60, conhecida em quase todo Brasil.