O acidente de Cícero Lopes

Um fato queimadense do passado

Autor deste folheto: Alaíde de Ferreirinha

Queimadas, 1982 (data do seu provável lançamento)

Reeditado pelo Poeta Paulo Seixas

Uma pequena biografia:

Cícero Lopes da Silva nasceu no município de São Paulo do Potengi, Estado do Rio Grande do Norte, em 30 de janeiro de 1924. Filho de Antônia Emília da Conceição e João Lopes da Silva, Seu Cícero veio tentar a sorte em Campina Grande ainda na década de 1960, e depois, vindo parar em Queimadas, onde viveu até sua morte.

Casado com Maria Lopes da Silva (in memoriam), Seu Cícero tão logo aprendeu o ofício de enfermagem, o qual pôde exercer com eficiência em alguns dos maiores hospitais de Campina Grande. Em casa, fazia todo tipo de conserto em sua pequena oficina, onde o seu forte era guarda chuvas. Paralelo a isso, trabalhou durante vários anos como ajudante direto de párocos na igreja católica de Queimadas, desde o padre Oscar até o último ano do sacerdócio do Padre Antônio Lisboa.

Seu Cícero faleceu no dia 13 de abril de 2004, devido forte depressão e problemas de saúde que se agravaram.

O conteúdo aqui apresentado trata-se de um antigo folheto de cordel que foi escrito no início dos anos 1980 (possivelmente), onde narra um triste acidente ocorrido com Seu Cícero no final da década de 1960, no sítio Guritiba.

Por fim, a republicação deste folheto é uma iniciativa de seus filhos Leila, Maria Onete e José Carlos. E lembrando ainda Enoque, o seu filho mais velho (in memoriam) A família inteira alegra-se ao prestar, através deste breve folheto, esta honrada e merecida homenagem ao grande homem que foi Cícero Lopes, um grande exemplo de cidadão queimadense.

O ACIDENTE DE CÍCERO LOPES

Queimadas é minha Terra

Onde nela fui nascida,

Não posso falar mal dela,

Pois não sou desconhecida.

E nela eu vivo fazendo

Todo trabalho da vida.

Aqui mesmo, em minha Terra

Mora um digno cidadão,

Honrado e caprichoso,

Não é dono de brasão.

Mas em sua residência

Nunca lhe faltou o pão.

O seu nome é Cícero Lopes,

Um homem muito decente.

Além de muito caritativo,

Em farmácia é competente.

Gosta de enterrar os mortos,

Sente por quem está doente.

Todo mundo lhe aprecia

Devido ser tão honrado,

Muito sério e agradável

Pelo povo é respeitado.

É difícil o “cabra” bom

Pra não ser martirizado.

Ele aplica injeção,

Faz qualquer tratamento,

Em caso de enfermagem

Ele tem conhecimento.

Então, sobre seu acidente

Quero dar seguimento.

Ele foi à Guritiba

Aplicar uma injeção

Na mulher do velho Braz.

E, por azar ou tentação,

A bicicleta quebrou-se,

Seu Cícero caiu no chão.

Esse caso foi passado

A 10 do mês mariano.

Quando ele se viu no chão

Da vida perdeu o plano.

Com Jesus no coração,

Entregou-se ao desengano.

Ele ainda viu uma moça

Pertinho dele chegar,

Um olho saltou da caixa

Faz pena até de contar.

Coitado. Ele estava vivo

Mas não podia nem falar.

Seu rosto todo estragado

O sangue em bica descia,

Entrava pela boca dele

E ele o sangue engolia.

Prostrado em cima do solo,

Nem falava e nem ouvia.

Dez dentes de sua boca

Saltaram no acidente.

Sua língua retalhada,

Quem tem bom coração, sente.

Ver Seu Cícero sair bom,

Chegar em casa doente.

Logo se espalhou a notícia,

Um rapaz seguiu no giro.

Botou Seu Cícero no Jipe

De Valdimir Cassimiro

Seu Cícero chegou em casa

Somente dando suspiro.

A sua esposa ficou

Como louca, lamentando.

Vendo a hora morrer,

Consolava-se chorando.

Com três filhinhos ao lado

Tudo triste, lastimando.

Todo pessoal vizinho

Por Seu Cícero perguntava.

De fato, se ele morresse,

O Castanho se acabava.

E ele em cima da cama

Não via o que se passava.

Cuidaram em seu tratamento

Com o maior desespero.

Dr. Ari foi o seu médico,

Gastando muito dinheiro.

Ainda não ficando bom

O distinto cavalheiro.

Com nove pontos na língua

Foi grande admiração

Seu Cícero não ter morrido.

Ele já me disse, então,

Que termina ainda fazendo

Nos olhos operação.

Deus o livre de tão cedo

Dele vir à triste morte.

Pois ele sofreu demais,

Não morreu por ser tão forte.

Até o nosso vigário

Bendisse a sua sorte.

Já gastou 700 mil

Nessa enfermidade comprida.

Mas não tem nada com isso,

Que isso não lhe intimida.

Ele perdeu o dinheiro,

Porém, ficou com a vida.

A vida é que vale tudo,

Dinheiro não vale nada.

Ele me contou o caso

Eu fiquei penalizada.

A sua esposa também

Já está mais conformada.

Já que Seu Cícero ficou

Com sua língua incompleta,

Eu vou lhe dar um conselho

Em minha ideia completa.

Para ele nunca mais

Viajar de bicicleta.

O nosso Vital do Rêgo

Também sentiu sua dor.

Ele gosta de Seu Cícero,

Tem sido seu protetor.

Deus queira que Vital

Nunca diminua seu valor.

Aqui termino meus versos,

Quero agora um perdão seu.

Eu não estava presente

Quando este caso se deu.

Não contei nem a metade

Do que Seu Cícero sofreu.