JAMAIS VENDA SEU AMIGO!!!
Amigo! É pra ser guardado,
Do lado esquerdo do peito,
E não para ser vendido
Pois isso não é direito,
Quem vendeu se arrependeu
E um bom exemplo sou eu
Que fiz isso no passado
E hoje estou arrependido
De um dia ter cometido
Aquele ato impensado.
A história que vou contar
É de uma bezerrinha,
Que ficou órfã de mãe
Ainda muito novinha,
Com vinte dias de idade
Sem conter habilidade
Pra sequer se alimentar,
Eu por sentir muita pena
Daquela pobre pequena
Resolvi dela cuidar.
E fiz isso com prazer
E muita dedicação,
Dando o leite em mamadeira
E o farelo de algodão,
Ela foi se acostumando
E aos poucos foi superando
A falta que a mãe fazia,
De mim passou a gostar
E até a me acompanhar
Pra todo canto que eu ia.
Parecia um cachorrinho
Daquele bem amoroso,
Que não larga o pé do dono
Sendo fiel e carinhoso,
Ela também era assim
Não se afastava de mim
Nem sequer um só instante
E esse caso inusitado
Que aqui deixo narrado
No mínimo é interessante.
Ela foi denominada
Por Adérito meu sobrinho,
Que a batizou por “Xaxau”
E tornou-se seu amiguinho,
Não sei onde ele encontrou
Esse nome, que causou,
Bastante especulação
O povo me perguntava
O que significava
Eu respondia, sei não.
Mas assim como “Xaxau”
Adérito hoje é saudade
Já se foi há muitos anos
Inda com bem pouca idade
Morar no reino dá Glória!
Porém faz parte da história
Dessa pobre bezerrinha
A quem tanto acarinhava
E quando com ela estava
Dizia, é minha “vaquinha”.
“Xaxau” teve o seu viver
Sempre em total liberdade,
Não se juntava a o gado
Vivia muito a vontade,
Fazendo o que bem quisesse
E mesmo se ela fizesse
Algo de errado ou de a toa,
Todo mundo relevava
E assim sempre desfrutava
Dessa vida mansa e boa.
Era ousada e destemida
Com nada se encabulava,
Se encontrasse a porta aberta
Ligeiramente adentrava,
E seguia calmamente
Desfilando lentamente
Pois vergonha não continha
Cruzava todo o ambiente
E assim sorrateiramente
Ia sair na cozinha.
Era gorda e bem nutrida
Essa novilha mestiça
Não continha sangue puro
Tinha a cor parda suíça,
Com o pelo liso e brilhante
Formou um porte elegante
Pois cresceu ligeiramente
Com seus cifres aguçados
Perigosos e amolados
Sendo um perigo iminente.
“Xaxau” era muito ativa
Importuna e ciumenta,
E se alguém se aproximasse
De mim, era violenta,
Às vezes me insultavam
E até me ameaçavam
Somente de brincadeira
Pra ver como reagia
Logo ela me defendia
De forma tosca e grosseira.
“Xaxau” tornou-se uma vaca
E logo depois emprenhou
Quando fazia três meses
Um aborto a ameaçou
Houve uma dilatação
Que causou a exposição
Do seu órgão uterino,
E esse infausto incidente
Transformou literalmente
Os rumos do seu destino.
O meu sogro Zé Rufino
Foi quem fez o tratamento,
Em que um chá de cumaru
Serviu de medicamento,
Com eficácia total
Que abrandou aquele mal
Evitando o abortamento
Que sequer aconteceu
E enfim restabeleceu
A saúde no momento.
Por duas vezes ainda
A cena se repetiu
E Zé Rufino de novo
Tratou, e ela reagiu,
Mas, com sua competência,
E uma larga experiência
Falou: vai deixar sequela
Depois desse acontecido,
Venda-a, pois não faz sentido,
Esperar a perda dela.
Acatei a sua tese
E da mesma eu me desfiz,
Mas isso me deixou triste
Cabisbaixo e infeliz,
Desse erro imperdoável
E bastante lamentável
Ainda hoje guardo queixas
Mesmo com pesar e dor
Fui leva-la ao comprador
No vilarejo de Ameixas.
Ela foi me acompanhando
Até chegar ao curral,
E enfim me despedi
Daquele belo animal
Dali, saí pensativo,
E pra isso tinha motivo
De ficar me lastimando
E em total comoção,
E assim com toda razão
Retornei quase chorando.
Com dois anos certo dia
Quando eu ia para a feira,
Vi o carro se atolar
Numa intensa lamaceira,
Logo, todos passageiros,
Com calma, sem desesperos,
Desceram para ajudar
Na base do empurrão,
Com muita dedicação
Pra o mesmo desatolar.
E durante aquela espera
Fiquei prestando atenção,
Numa vaca, que olhava,
Bem na minha direção,
Falei pra um amigo meu
Não sei o que aconteceu
Pra que eu saísse do grau
E ficasse assim tonteando,
Porém eu estou achando
Que aquela vaca é “Xaxau.
Ele disse que não era
E que aquilo era heresia,
Porque depois de dois anos,
Não me reconheceria
Por mais que fosse apegada,
Eu sem lhe dizer mais nada
Gritei pelo nome e ela
De lá veio na carreira,
E essa cena prazenteira
Jamais me esquecerei dela.
Ao chegar perto de mim
Ficou naquela agonia,
Não se aquietava um instante,
Dava cheiro e me lambia,
Sem saber o que fazer
Foi que resolvi dizer
Abertamente pra o povo
Quase em total desespero
Ah! Se eu tivesse dinheiro
Para compra-la de novo.
Eu fiz aquela bobagem
Sem pensar, literalmente,
Porém nos dias de hoje
Não faria certamente!
Do erro que cometi
Eu muito me arrependi
E ainda me sinto mau
E fico bem combalido
Com o fato de ter vendido
A minha linda “Xaxau”.
Irei guarda-la para sempre
Dentro da minha memória
E jamais perdoarei
A minha atitude inglória,
O remorso é infinito
Que causou mágoa e conflito
E em total desolação
Com a mente atordoada
Tento mantê-la guardada
No fundo do coração.
E assim narrei a história
Dessa bezerra estimada,
Que teve a vida sofrida
Mas nunca lhe faltou nada,
De mim recebeu afago
Mas o remorso ainda trago
E esquecê-la, não consigo,
E aqui deixo meu conselho!
Faça desse conto espelho
E jamais venda seu amigo.
Carlos Aires
08/09/2020