O VELHINHO ABANDONADO!!!
Olhe bem esse velhinho
Em um banquinho sentado,
Em frente ao seu ranchinho
Com outro banquinho ao lado
Aguardando uma visita
Daquele que se habilita
A sua história escutar
Eu aproveitei a chance
E sem perder um só lance
Espero ouvi-lo narrar.
Ele disse assim: amigo,
Quero que preste atenção,
Aqui amargo o castigo
Dessa cruel solidão.
Abandonado e sozinho
Sem afago e sem carinho
Perdido nesse lugar
Vivendo a mercê da sorte
Só aguardando que a morte
Chegue aqui pra me levar.
Minha velha foi embora
Para os desesperos meus
E hoje em dia ela mora,
No céu, ao lado de Deus,
E para ofuscar meus brilhos
Nenhum dos meus oito filhos
Moram mais na região
Pois muito distante habitam
E nem sequer me visitam
Eu não sei por qual a razão.
Um vive no Paraná
E três em Minas Gerais.
Duas filhas no Pará
Mais dois no chão de Goiás,
Não sei o que fiz de errado
Pra viver tão desprezado
Nesse recanto esquisito
A distância nos aparta
Sequer recebo uma carta
Ou mesmo um bilhete escrito.
Não sei se todos casaram
Ou se tem algum solteiro,
Depois que aqui me deixaram
Deles perdi o roteiro,
Devo ter vários netinhos
Que a eles os meus carinhos
Sequer posso oferecer,
Ninguém traz informação
Perdido nesse rincão
Como é que posso saber.
A essa altura da vida
Fiquei sem rumo e sem planos,
Na estrada percorrida
Já conto noventa anos,
E mesmo velho e doente,
Aqui não vem um parente
E nem sei se existe algum,
Desde a minha mocidade
Até chegar nessa idade
Nunca conheci nenhum.
Uma vizinha bacana
É quem me faz caridade,
Lá uma vez na semana
Quando há necessidade,
Traz aqui minha comida
E água, para a bebida,
Também leva para lavar
As roupas sujas que tem
Isso me faz tanto bem
Que lhe agradeço a chorar.
Prazer não tenho em meus dias
Por ser grande o desmantelo,
Comparo tais agonias
A um terrível pesadelo,
Deus! Tenha pena de mim,
Porque um viver assim
Em completa desventura
Sem ter sossego e nem paz
É como um corpo que jaz
Sem entrar na sepultura.
Aquele meu cachorrinho
Que tanto prazer me deu
Também findou seu caminho
E a mais de um ano morreu,
Vivendo sem companhia
Não posso ter alegria
Cheio de dúvida e incerteza
Completamente sem graça
Tragando essa horrível taça
De amargura e de tristeza.
Vivo por aqui sentado
Aguardando algum vivente
Que não esteja apressado
E do meu lado se sente,
Pra de forma esclarecida
Numa prosa bem comprida
Ouvir toda minha história,
Do meu presente inseguro
Do meu incerto futuro
E do meu passado de glória.
Naquele feliz outrora
Foram tantas as bonanças
Diferente desse agora
Cheio de desesperanças,
Sempre fui tão dedicado
Ao meu trabalho pesado,
Pra que não faltasse nada
Mesmo sendo intensa lida,
Não deixei faltar comida
Nem roupa pra filharada.
Deus é quem guia e conduz
Quem trabalha sem moleza,
Pra que não falte cuscuz
Nem farinha em sua mesa,
Também a carne e o feijão,
Arroz, leite, sopa e pão,
Fruta, bolo e rapadura,
Era assim nossa casinha
Bem singela e pobrezinha,
Mas sempre rica em fartura.
Eu junto com minha amada
Trabalhamos noite e dia,
Porém em nossa morada
Tinha o que a gente queria,
Mesmo não sendo tão bela
Nunca faltou dentro dela
Afago, agrado e fervor,
Naquele casal perfeito
Havia mútuo respeito
Paz, lealdade e amor.
A morte sem piedade
Desfez a nossa união,
Deixou comigo a saudade
A tristeza e a solidão,
Jamais me esquecerei dela,
E quando sonho com ela
Sinto bastante alegria
Ao senti-la ali bem perto,
Mas de repente desperto
E me afogo na nostalgia.
E assim minha história triste
Terminei de lhe contar,
Desse velho que resiste
A um rosário de penar,
Moço, eu lhe digo obrigado!
Por tanto ter esperado
Para ouvir tanta bobagem
Que a mais ninguém interessa
Mas agora se despeça
E prossiga a sua viagem.
Eu com paciência e calma
Ouvi toda a narrativa
Daquela penosa alma
Que só vagueia ainda viva,
Mas que mente está brilhante!
Achei muito interessante
O texto que foi narrado
Sem rodeio e sem segredo
Fiz em cordel todo enredo
Do velhinho abandonado.
Carlos Aires
14/07/2020