SAUDADE DO MEU TEMPO DE VAQUEIRO!!!

(toada)

No cavalo estou montado

Relembrando meu passado,

Quando lutava com o gado,

Mas, o tempo traiçoeiro,

Carregou-me a mocidade,

Trouxe o peso da idade,

Além de muita saudade,

Do meu tempo de vaqueiro.

Eu já fui tão forte outrora

Trabalhava a toda hora,

Veja como ando agora

Com os passos fora de escala,

A vista é muito embaçada,

Não enxergo quase nada,

Só dou alguma passada,

Escorado na bengala.

Numa surdez infeliz

Não ouço o que o povo diz,

Depois de tanto que fiz,

Da lida vivo afastado,

Com tantas rugas no rosto,

Afogado no desgosto,

Vivo pagando o imposto,

Que o tempo cobra o atrasado.

Precisava muita ginga

Para adentrar na caatinga,

Levando a minha moringa,

Com agua do ribeirão,

No bornal a rapadura,

E alguma fruta madura,

Revelando a imagem pura,

Do vaqueiro do sertão.

Para emburacar no mato

Eu nunca assinei contrato,

Pra perseguir um “boiato”,

Até pegá-lo de mão,

Tinha como companhia,

Meu cachorro, um bom vigia,

Tendo como montaria,

O meu cavalo alazão.

Eu dava um grande capricho

Para encaretar o bicho,

E atrelá-lo a o rabicho,

Da sela do animal,

Depois dele dominado,

Eu saía com cuidado,

Rompendo o mato fechado,

Até chegar ao curral.

Eu nunca encontrei problema

Para atravessar jurema,

Por conhecer o esquema,

Do bioma catingueiro,

Aonde só tem cipó,

Marmeleiro e mororó,

O calumbi e o icó,

Mandacaru e facheiro.

Tanto que arrisquei a vida

Atrás de vaca parida,

Braba, valente e atrevida,

Mais parecia uma fera,

Que se escondia na moita,

Ficava atenta e afoita

Até o vento ela açoita

Pois nela a brabeza impera.

Rompi baixada e campina,

Outeiro vale e colina,

No sol quente ou na neblina,

Trovoada e tempestade,

Nem sequer gripe eu pegava

De adoecer nem pensava,

Nesse tempo eu só contava

Com vinte e poucos de idade.

Hoje em dia é diferente

Sou só um “caco de gente”,

Velho cansado e doente,

Vencido pela idade,

Vivo sem plano e sem rumo,

Com nada mais eu me aprumo,

Fazendo um breve resumo

Da cruel realidade.

Dancei muito na latada,

Corri prado e vaquejada,

Argolinha e cavalhada,

Eu não perdia uma só,

Pra terço e novena eu ia,

Procissão e romaria,

Frequentava cantoria,

Ciranda, baile e forró.

Mas tudo o tempo desfaz,

Hoje eu sou um incapaz,

Sem ter sossego e nem paz,

Cabisbaixo e desolado,

A cadeira de balanço

Eu sento e nela descanso,

Pra recordar cada lanço,

No outrora vivenciado.

Passo a lembrar da cocheira

E da cerca de madeira,

Do curral e da porteira,

E o nome de cada vaca,

O tempo agiu sem decoro

Deixou lá por desaforo

Só a caveira de um touro

Enfiada numa estaca.

Vaqueiro quando envelhece

Sofre lamenta e padece,

O patrão dele se esquece,

Por não ter mais serventia,

Agindo com desrespeito

Nega-lhe qualquer direito

Aquele que satisfeito

Tanto lhe serviu um dia.

Chega sem ter piedade

Dizendo: vá pra cidade,

Saia da propriedade

Vá pra junto do seu povo,

Estou lhe mandando embora,

E veja se não demora,

Pois vai morar qualquer hora

Aqui um vaqueiro novo.

Nessa minha trajetória

Contei com fracasso e glória,

E aqui termino a história,

Esclarecendo a verdade,

Já fui trigo hoje sou joio,

Se quiser me dar apoio,

Solte comigo um aboio,

Pra ver se mata a saudade!

Ê ê, êêêê êô vida de gado

êêêêêê êta boi manso.

Carlos Aires

02/07/2020