TODO DIA ME SENTO MEIA HORA NO BATENTE DA CASA DA SAUDADE.
(Mote do poeta Neto Ferreira)
Relembrando meus tempos de criança
Eu voltei para o bosque do passado,
Pra fazer um resgate inusitado
Do arquivo secreto da lembrança,
Pois ali eu guardei minha esperança
No baú da memória na verdade,
Essa joia de grande raridade
Lá está, e por isso até agora,
Todo dia me sento meia hora
No batente da casa da saudade.
Fico bem cabisbaixo só pensando
No bom tempo em que ali fui tão feliz!
Escutando a cantiga do concriz,
E o canário também cantarolando,
Eu pondero, e medito, até quando,
Vai durar no meu peito a tempestade,
E fugindo da infelicidade
Que machuca, maltrata e me devora,
Todo dia me sento meia hora
No batente da casa da saudade.
Fico ali relembrando dos meus pais
Que habitam com Deus em outros planos,
Pois a morte com seus atos tiranos
Os levou e não trouxe nunca mais,
Por ali eu deixei meus ideais
Assim como a jovialidade,
Afogado na infelicidade
Pra curar minha mágoa, esse caipora,
Todo dia me sento meia hora
No batente da casa da saudade.
Lembro as tardes tão quentes no verão,
Das galinhas ciscando no terreiro,
Sabiá saltitante e prazenteiro,
Gorjeando nas ramas de melão,
Do meu velho cavalo alazão,
Em que eu ia montado pra cidade,
Pondo um fim nessa tal morosidade
Que me irrita, atormenta e me apavora,
Todo dia me sento meia hora
No batente da casa da saudade.
Glosas de Carlos Aires
29/01/2019