O JEGUE!!!

Já disse Padre Vieira

Que o jumento é nosso irmão!

E a versão foi confirmada

Nos versos de Gonzagão,

Que descreveu com presteza

Demonstrando com clareza

Os feitos desse animal,

Que hoje está desprezado

Porém já foi no passado

Um obreiro essencial.

Ajudou o ser humano

Nos trabalhos do roçado,

Puxando um cultivador

Ou atrelado a um arado,

Pra transportar qualquer tralha

Debaixo d’uma cangalha

O jegue estava presente

Fosse de noite ou de dia

Enfrentando a ventania

A chuva forte ou o sol quente.

Mesmo sendo pequenino

Era um gigante em ação,

Trabalhador incansável

Nos labores do sertão,

Sempre pegando pesado

Levando ração pra o gado

E enquanto aquela boiada

Toda ração consumia

O pobre jegue sofria

Com fome sem comer nada.

Quando ia buscar água

Nas pesadas ancoretas

Pra o pobrezinho do jegue

As coisas ficavam pretas

A sede lhe atormentava

E o dono nem sequer dava

Água ao pobre jumento

Que na ironia amarga

Conduzia aquela carga

Fraco, faminto e sedento.

O jerico antigamente

Cumpriu bem sua tabela

Na cangalha na carroça

Ou até mesmo na sela

No baixio ou na ladeira

Ia pra o forró, pra feira,

Missa, enterro, casamento,

Vaquejada, cantoria.

Tinha muita serventia

O nosso velho jumento.

No fabrico de farinha

Pra carregar mandioca,

No mato ia buscar lenha

Sem receber nada em troca,

Se por um tropeço então

Botasse a carga no chão

Deixava o dono irritado

Que ao invés de lhe ajudar

Metia pra se vingar

O pau, no pobre coitado.

O jumento foi escravo

Teve a vida submissa

E o ser humano com ele

Só cometeu injustiça

Explorou sem piedade

Cometeu barbaridade

Com quem tanto lhe ajudou

Sendo mal-agradecido.

Depois dele envelhecido

Simplesmente o descartou.

O pobrezinho trabalhou

Muito, até não poder mais,

Merecia um bom repouso

Até seus dias finais

Mas, seu dono, um ser ingrato,

Deu-lhe trabalho e maltrato

Durante a vida, mais nada,

Depois dessa luta intensa

Sem prêmio e sem recompensa

Vendeu-lhe pra charqueada.

O velho jegue pensou!

Na vida fiz o que pude

Carreguei carga pesada

Fiz barreiro, fiz açude,

Ajudei fazer estrada

Já levei tanta lapada

Com o chicote de couro.

Porque o homem malino

Decretou que o meu destino

É morrer no matadouro?

Porque não deixa eu ficar

Até o fim dos meus dias

Descansando sossegado

Pastando nas pradarias,

Quem dera eu tivesse a sorte

De esperar pela morte

Com calma e com paciência

Sem passar pelo suplício

De amargar meu sacrifício

Com fúria e com violência.

Depois de uma vida inteira

Sendo escravo do trabalho

O homem mau deu um jeito

De arranjar um breve atalho

Pra dá fim ao meu viver

Pois no seu modo de ver

Hoje eu só gero despesa

E no seu pensar estranho

Diz: se não me produz ganho

Não serve pra minha empresa.

E continua dizendo

Com a sua insensatez

O que o jegue velho come

Faz falta para uma rês

Então não vou sustentar

Um animal sem gerar

Lucros pra minha fazenda

E se não me serve mais

Nele apuro alguns reais

Já aumenta a minha renda.

É triste ouvir tudo isso

De quem tanto já serviu

Mas apesar dos apelos

O dono não desistiu

Da sua ideia tirana

E nessa mesma semana

O jegue foi transportado

Do pasto para um curral

Onde num golpe fatal

Enfim foi sacrificado.

Daquele infeliz jumento

Hoje contei a história

Que no trabalho forçado

Levou sua vida inglória

Maltratado e suprimido

Nunca foi reconhecido

Nem teve o que mereceu

Na trajetória sofrida

Assim passou pela vida

Porém, nem sequer viveu.

Os poucos que ainda restam

Levam a vida discreta

Afinal foram trocados

Por trator, motocicleta,

Não servem de montaria

Nem tem qualquer serventia

Como tinham no passado

Mas é preciso entender

Que ninguém pode esquecer

Do jegue nosso aliado.

O jegue aqui no Nordeste

Faz parte da tradição

Não deve ser desprezado

Pela nova geração,

Porque o nosso jumento

Trouxe desenvolvimento

Para o campo e pra cidade

Sendo um herói nordestino!

Classifico o asinino

Como uma celebridade.

Carlos Aires

10/04/2018